O Artist Alley da CCXP é massa demais. Cheio de artistas famosos, que passam horas por dia conversando com fãs e assinando obras, mas também novos talentos apresentando seus trabalhos diretamente para o público. Pessoalmente, gostei de ver que, além de alguns artistas da região marcando presença no evento também foi possível encontrar obras que exploravam a cultura amazônica. Haviam ainda HQ’s no cangaço nordestino e nas favelas do Rio de Janeiro, que disputavam espaço com o Capitão América, Dragões e Aliens.

Já vi diversas discussões sobre a utilização ou não de temáticas regionais/nacionais no cinema, na literatura e nos games. Alguns autores defendem a criação de uma identidade nacional e a não importação da cultura de fora, outros se sentem incomodados com uma possível obrigação de retratar Sacis. Resolvi então perguntar a opinião de alguns artistas que encontrei na CCXP.

Com sólida carreira internacional na Marvel e DC, o paraense Joe Bennet (ou Bené) estava lançando no evento o ‘Esquadrão Amazônia‘, HQ de super-heróis brasileiros. O artista de grande publicações do Homem-Aranha, Batman, X-Men e diversos outros títulos americanos, acha que temos mesmo é que prezar pelo regionalismo: “Temos que olhar pro nosso umbigo, sim. Nós temos uma cultura maravilhosa, uma fauna exuberante, uma flora única, então nós temos que nos centrar nisso e fazer os nossos personagens e as nossas histórias, seja ela de terror, de super-herói, de drama, centrada na nossa regionalidade, no nosso sangue, na nossa terra. Eu sou paraense, homem da Amazônia, bebedor de açaí até o fim, mermão. Vou defender minha terra até o fim, com a minha arte, com aquilo que eu sei fazer” – declarou.

Tietei o Joe Bennet mesmo.

O amazonense Paulo Yonami (no centro da foto de capa), da House 137, concorda: “Nossa cultura é espetacular e tá faltando material. Porém, isso é uma coisa que a House já tá planejando, já temos um projeto escrito, chamado Amazônida, baseado nas lendas amazônicas e na nossa cultura indígena“.

O carioca Léo Andrade também encontrou na cultura amazônica inspiração para o seu mangá, A Lenda de Bóia, que tem como protagonista um personagem indígena. “O pessoal se espelha muito no que há lá fora, adora mitologias de fora mas não valoriza nossa própria cultura. Especialmente por isso escolhi um índio como personagem principal e usei releituras do nosso folclore“.

Não acho que todo artista é obrigado a produzir material que envolva o cenário local”, me respondeu o manauara Luiz Andrade (que, ao lado de Rayane Cardoso, estava apresentando ‘Meriadoc, o Fungo‘) – “porém, se você quer e gosta, faça”, emenda, lembrando que a representatividade de artistas da região no cenário nacional de quadrinhos é “escassa, porém de qualidade. Existe toda uma questão geográfica e histórica, porém elas podem ser ultrapassadas com muito esforço. O nordeste já mostrou que isso é possível e hoje eles produzem e exportam excelentes artistas, tanto no âmbito independente quanto no mercado propriamente dito“.

Para Raphael Fernandes, editor da revista MAD e da editora Draco, a questão não é utilizar ou não temas regionais, mas fazer bem feito: “Eu acho que cagar regra é um problema muito sério entre os autores. Acho que o negócio é como você faz, isso é que vai tornar aquilo brega ou bom. Por exemplo, uma coisa que é muito difícil de trabalhar é super-herói brasileiro, eu acho que as pessoas tentam fazer parecido com o norte-americano, não fica legal, porque tem muita produção disso lá fora. Porém, isso não impede de usar ambientes, poderes, entre outras coisas com outro clima, outro jeito de fazer.

Autor da HQ Apagão – Cidade sem Lei/Luz, que retrata gangues de São Paulo brigando por território durante um blackout permanente, Raphael diz gostar de ver diferentes culturas sendo representadas no cenário nacional. “Desde a MAD eu costumo trabalhar com autores do Brasil inteiro. Tanto que a gente tem publicações de autores de Fortaleza, Natal, do sul, do centro-oeste, tem gente de todo canto. Eu gosto de escrever sobre a cidade onde eu moro, mas eu não acho que devam ter histórias só sobre São Paulo, seria um saco. Eu escrevo porque eu tenho familiaridade com ela. Mas eu acho legal ler coisas que sejam de cidades diferentes. Então a gente tem uma produção crescente e você começa a sacar o jeitinho de fazer de cada lugar. O que falta é esse cuidado em ser algo não só regional, de trabalhar só com os mitos da região, mas tornar eles acessíveis pra todo mundo. Acho que falta um trabalho que pegue a cultura local e transforme em algo de cultura pop pro país inteiro“.