Essa é a segunda parte deste conto, caso não tenha lido a primeira parte clique aqui.

Parte 2: A Casa dos Mil Destinos

Ainda confuso com tudo que ouvira, segui meu pai para fora da cabana e percebi que por fora não era uma cabana, mas sim um castelo com detalhes impecáveis e precisos. Era fantástico e bem diferente do que havia dentro dela e na entrada havia um grande cristal de quartzo transparente entalhado rusticamente, deveria ter a minha altura.

E logo que a porta se fechou, meu pai se virou, voltando para a casa, não entendia porque ele voltaria para o lugar que entrou. Perguntei então confuso:

– O senhor vai voltar para esse Castelo? Porque voltaríamos ao mesmo lugar?

– Não vamos voltar para onde estávamos! Vamos para outro lugar! Esta, meu filho, é a casa dos mil destinos, e ela pode nos levar a qualquer lugar, inclusive ao lugar em que é esperado! Portanto fique calmo, tudo será explicado no tempo certo.

Assim, ele abriu a porta novamente, e entramos…

Ao entrar, tudo estava muito escuro e meu pai não respondia a meus chamados, mas uma força sobrenatural impelia-me a continuar. Então segui e ao dar meus primeiros passos, feixes de luzes vindo de várias direções iluminaram o local e me vi em um palácio ancestral e de frente a um altar antigo com fortes traços de esquecimento.

No centro havia uma esfera que flutuava no ar e brilhava uma incessante luz azul, uma luz que me chamava.

Aproximei-me do altar, e os lobos apareceram e curvaram-se diante de mim, abrindo espaço para que eu me aproximasse da esfera. Fiquei na frente daquela esfera e a toquei com minhas duas mãos, e pude sentir o mundo.

Era como sentisse o fluxo da vida passar por mim, como se naquele momento fizesse parte do mundo como as árvores ou as pedras. E assim ouvi a voz do meu pai dentro de mim que dizia:

“És agora, Ivan, O algoz desta floresta, um espírito preso a uma pedra”.
Enquanto ele falava, me senti levado para dentro daquele cristal de quartzo que ficava em frente à casa e agora seu telhado era colorido e possuía todas as cores já descobertas. Então, meu pai continuou:

– Estás condenado assim a vagar por 100 anos para que sua alma seja salva e assim possa descansar, mas até este dia, ceifarás almas… Almas maculadas, almas desperdiçadas, almas sem sentido, almas sem propósito, almas fúteis, almas perdidas em sua própria podridão…

– Receberás assim, o poder de coletar essas almas condenadas em seu sábio julgamento. E para isso terás o poder de modificar-se! Poderás adquirir a forma que quiseres pelo tempo que for necessário para que você conduza a alma até esta floresta e aqui condená-la!

– Ficarás retido a esta pedra ao lado da casa dos mil destinos até que esta floresta seja ameaçada ou alguma alma seja escolhida, enquanto isso guiarás àqueles que buscam esta casa. Muito há para lhe ser ensinado! E seu aprendizado começa agora!

E quinze anos foram necessários para que aprendesse sobre todos os mistérios daquela floresta, e sobre os segredos da casa dos mil destinos. E após esses intermináveis dias recebi a visita de meu pai, ele veio até mim e disse: “Filho, é hora de conhecer sua primeira vítima…”. E ele continuou:

– Você precisa voltar para Fenice, lá procure por Isabelle. Mas não encontrarás dificuldade em acha-la! Entenda filho, as pessoas fúteis fazem muito barulho para esconder o vazio. Agora vá! você saberá o que fazer.

Assim, parti para Fenice, e a cada passo que dava, minha aparência mudava, minha pele tornava-se mais alva, meus cabelos tornavam-se loiros, e uma armadura prateada formava-se em meu peito.

A ilusão estava pronta e faltava apenas um detalhe…

Quando cheguei nos limites da floresta, um belo cavalo me aguardava, eu sabia que aquele cavalo também se modificara, eu já o vi antes, ele sempre estava correndo pela floresta e selvagem eram seus olhos.

Mas agora ele estava calmo, talvez precisasse de um propósito e ao pensar nisso ele olhou para mim e inclinou-se fazendo uma reverência, e entendi que ele se oferecera para me ajudar. E então deixamos a Floresta dos Desesperados.

Ao chegarmos em Fenice, pude ouvir aos longes gritos e gargalhadas que vinham do centro da cidade. Seguindo o conselho de meu pai, fui guiado pelos os gritos.

Fenice não havia mudado muito, mas agora havia mais casas e alguns membros da nobreza haviam fixado residência lá. Ainda na Floresta dos Desesperados soube pelos corvos que alguns membros da nobreza eram enviados para vilas menos desenvolvidas, algumas vezes para estabelecer a ordem, outras vezes para cobrar impostos, em ambos os casos sempre levando uma pequena leva de cavaleiros formando uma pequena milícia consigo.

Mas havia também nobres que eram enviados por representar certa “ameaça” para a nobreza e ao próprio rei, e esses eram enviados sem milícia alguma. E percebi que a última situação era a que mais representava o estado da nobreza que se instalara em Fenice.

Ao chegar ao centro da cidade, vi que aquela praça em frente à pequena capela ainda permanecia a mesma e naquela época nem poderia imaginar que aquela praça seria palco para o julgamento e condenação de muitas bruxas alguns anos depois.

Mas agora três jovens, filhos de nobres, “brincavam” com uma camponesa de vestimenta simples e suja. Eles a cercaram e a puxavam e a beijavam a força e logo empurravam para o colega ao lado que repetia os gestos e gargalhavam enquanto a camponesa chorava formando uma cena deplorável.

Penso como é incrível que algumas pessoas guiadas pelo modismo ou inspirados pela vontade de um líder são capazes de fazer tanto mal a outros pela simples justificativa de não possuírem vontade própria. Inocentes seriam por desproverem de vontade própria? Não! Essa é a resposta que tenho. Porque sempre há a escolha.

Mas entre a inocência e a culpa, eu culpo o líder, pois sem ele, não haveria motivação e nem um guia para esses malditos. E nessa situação a líder era uma jovem nobre que próximo daquela cena ria de tudo! E antes que pudesse interferir ela disse:
– Chega! Parem! Bastian! Alphonse! François! Agora estou entediada!

A ordem foi obedecida prontamente, eles jogaram a camponesa num lamaçal e retornaram para próximo da jovem nobre.

– O que houve Isabelle? Agora que estávamos começando a nos divertir!
– É verdade! – Disse o outro – A roupa dela já estava praticamente se desfazendo!
– Sim! Agora que ia começar a verdadeira diversão! Concluiu o terceiro.

Olhando com desprezo para a camponesa, ela continuou:

– Eu já cansei dela, todas essas camponesas ridículas são assim, frágeis e só sabem chorar! Não vejo onde estaria a diversão nisso tudo! E outra… – Nesse momento, ela olha para mim e disse:

– Não estamos sozinhos. Houve quem tivesse coragem de apreciar tudo isso. Mas por não ter reação alguma, parece não se importar.

– E não me importo! Disse. Apenas concordo com vossas palavras. Há algo mais divertido que estuprar miseráveis camponesas?! Duvido muito.

Ao dizer isso, Isabelle mostrou entusiasmo, e caminhava em minha direção. Seus criados apenas olham sem saber como agir.

– Isabelle… aonde você vai? Um deles pergunta.

– Vão embora! Estou farta de vocês! Finalmente encontrei alguém que mostra ser digno de minha presença!

Inclinei minha cabeça gentilmente agradecendo ao elogio, e desci de minha montaria. Ela se aproximou, e ajoelhei diante dela beijando sua mão.

– De onde vem, nobre cavaleiro? Sei que não és daqui, pois duvido que aqui vivas sem que o tivesse notado!

– Falas com demasiada audácia para uma moça tão jovem – Disse sorrindo.

– Talvez devesse pedir desculpas se minha curiosidade não fosse tão impetuosa. – Ela disse sorrindo também.

– Mas quanto ao que me perguntas, venho de longe… de um lugar que acredito que desconheças.
– Hum, que mistério! Pareces ser bem misterioso! Gostaria de descobrir até onde vão tantos mistérios!

– Se assim desejas, então a levarei comigo…