Parte 1: A Floresta dos Desesperados

“Não! Por favor, não me olhe assim… Eu sei como tudo isso irá acabar… na verdade, eu sempre soube…”

Essas sempre serão minhas palavras, para aqueles que perderão suas almas para mim…

… Eu sou um espírito em uma pedra, condenado assim a ceifar almas.

E todo aquele que leva uma vida de luxurias e futilidades, sem honra, encontrará em meus cânticos, seu destino.

Mas antes que seu esquecimento e sua negligência mundana façam com que todas essas palavras percam sua devida importância, permita-me contar como tudo começou…

Eu me chamo Ivan Maldovan e por escolha de meu pai, nasci em uma vila ao sul de Bordeaux chamada Fenice, em 1264, no Reino da Francónia Ocidental, o qual você conhece como França.

O ano era 1274, e eu tinha apenas 10 anos, quando fui levado para Bordeaux, para aprimorar meus estudos. E aos 20, eu já havia lido mais livros e manuscritos do que muitos de minha idade.

Minha dedicação aos livros devia-se a forte influência de meu pai, que desde minhas primeiras lembranças, insistia em contar-me sobre as façanhas dos homens, e sobre toda ganância e impetuosidade humana descritas em fatos históricos.

Fenice era uma vila pobre, com poucas casas e seus habitantes, em sua maioria agricultores e lavradores, eram simplórios e temerosos.

Meu pai dizia que o medo estampado no semblante dos moradores devia-se a uma floresta que havia nas redondezas. Uma floresta onde rumores espalhados por toda a França relatavam seres sobrenaturais que a guardavam.

A “Floresta dos Desesperados” era seu nome e desde os primeiros relatos sobre a história de Fenice… de todos que entravam nela, ninguém havia saído.

Mas, após dez anos em Bordeaux, eu já havia esquecido tudo isso, e mesmo vivendo em meio ao forte fluxo de pessoas, eu buscava os bosques para lembrar-me de minha infância.

E foi em um de meus passeios que a vi, a mulher mais bela de toda a França: Béatrice da Navarra, e mal sabia que, por ela, eu havia me condenado.

A conheci em 15 de agosto de 1284, em um dia que vagava pelo bosque local, quando a vi sentada à sombra de uma árvore, brincando com os pássaros, e de alguma maneira que não consigo explicar, percebi que ela olhava para a natureza como se compreendesse a vida, o mundo e a morte de uma forma que transcendia a compreensão humana. E assim me fascinei por tudo aquilo.

Ela tinha 18 anos, e mesmo com pouca idade ela já era viúva. E somente minhas histórias e poesias a faziam sorrir, trazendo o amor pela vida que antes ela tinha perdido… e em suas esperanças, nos apaixonamos…

E toda a trama se iniciou quando descobri que ela pertencia à realeza, por ser prima de Joana I de Navarra que se casou com o rei Filipe IV naquele mesmo ano.

Sabendo do nosso destino, vivemos cada dia com todo o amor que um homem e uma mulher deveriam ter e consumar… Mas poucos momentos juntos tivemos antes que tudo fosse descoberto.

E assim, fomos declarados proscritos e fugimos para Fenice, buscando segurança…

Fomos subjugados, condenados, caçados e perseguidos… até que fomos encontrados, e pouca piedade meus algozes tiveram de mim, mas a Béatrice nada fizeram, ela apenas foi levada e nunca mais a vi.

Soube depois de algum tempo, que o rei preferia que ela vivesse para sofrer a vergonha que enfrentaria por se envolver com um plebeu.

Quanto a mim, fui surrado, abatido, torturado e deixado à beira da morte em um pântano.
Arrastei-me até a “Floresta dos Desesperados”, aquela misteriosa floresta que todos temiam, e foi nesse momento que descobri porque meu pai escolheu aquela cidade, e todos os seus desígnios ficaram óbvios.

Eu estava perdido, perdido em lágrimas de desespero, e naquela floresta as sombras se moviam, e nenhum pássaro cantava.

E mesmo sangrando muito e tendo mesmo minha carne dilacerada, nada disso importava agora, e a paz da morte iminente foi trazida por uma leve brisa, como uma despedida deste mundo, mas nada disso me consolava.

Não foi necessário muita espera para que encontrasse meu destino. Porque logo, os sons dos meus gritos agonizantes ecoaram por toda a floresta, cortando o atordoante silêncio e atraindo várias sombras distorcidas entre as árvores.

Assim, pedi para que minha vida fosse ceifada, e meu sofrimento terminado. Não havia esperanças em meu semblante, apenas clamava a morte… e nesse pedido, um lobo apareceu, e torci para que ele atendesse minhas súplicas.

Ele se aproximou lentamente, olhou-me dos pés à cabeça, circundou-me algumas vezes, quando, quase sem forças, estendi minha mão em sua direção. E antes que desmaiasse de dor, pude ouvi-lo dizer:

“E Enfim, deparo-me com Ivan, filho de Heian, e por ele, despeço-me dando as boas-vindas e um longo adeus”.

Estava em uma casa quando finalmente acordei. Embora mais parecesse uma cabana, uma cabana vazia e esquecida pelo mundo. E olhando para fora percebi que ainda estava dentro da Floresta dos Desesperados.

Não havia dor, medo, ou angústia… O mundo continuava a girar, e tudo parecia silencioso e fascinante. Agora via o mundo com outros olhos, tudo era muito fantástico, minha visão não se limitava mais à visão humana. Agora, podia ver os espíritos, e as sombras de outrora agora haviam formas… todos eram seres maculados, amaldiçoados, perdidos e esquecidos pelo mundo, limitados a suas dores e lamentos.

Mas, inesperadamente, a porta se abriu e alguém entra calmamente olhando para mim e comentou:

– Vejo o quanto cresceu e o homem que se tornou, meu filho.

Ainda sem palavras, apenas observava meu pai olhando para mim com ar surpreso.

Quando ele continuou:

– Sinto muito em ser direto no motivo que vim aqui, e me perdoe por não me estender em minhas explicações. Mas o tempo é injusto e você é requisitado com urgência… Por isso espero que entenda em breve quando tudo fizer mais sentido. – ele continuou:

– Filho, eu temia por você, pelo destino que escolhi para meu tão amado filho. Eu sabia que você se apaixonaria e se entregaria a esse amor proibido, você tem o meu sangue, fazeis parte dos últimos apaixonados desta era e sabia que você a levaria ao único lugar que você se sentiria seguro. Foi por isso que quando você ainda era um garoto, eu te trouxe para Fenice, para que esse fosse o único lugar seguro para você, para que assim, algum dia, você se refugiasse aqui… e a proximidade daquela cidade com esta floresta não foi nenhuma coincidência. A casa dos Mil Destinos precisava de um guardião, e esta floresta precisava de um algoz, e eu escolhi você.

Tentava entender o que meu pai me dizia, enquanto ele continuava:

– O acaso nunca é generoso com aqueles que amam tão verdadeiramente. E mesmo que tentasse, pouco pude influenciar na sua trama. Precisei me contentar em ver seus infortúnios na teia do destino que foi tecida para você.

Surpreso e inconformado tentei argumentar, mas meu pai passava uma tranquilidade inexplicável e assim ele continuou:

– Você pode me odiar agora por não entender minhas limitações, uma vez que eu sabia que isso tudo aconteceria, mas somente sendo o algoz desta floresta você terá poder para se vingar. E como o sangue do meu sangue que corre em suas veias eu sei que anseias por vingança! Agora venha… você é esperado…


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