São 60 textos, 15 ilustrações e muito terror que compõem o livro O Corvo: um livro colaborativo, lançado em 2015 pela Editora Empíreo. E nele há também a contribuição do amazonense Mário Bentes, autor de A Terra Por Onde Caminho, com o conto “O homem por trás da cortina”.
A coletânea que prestou homenagem aos 170 anos do lançamento do poema “O Corvo“, de Edgar Allan Poe, reuniu 53 autores escolhidos pelo público e sete escritores convidados, a citar: Andre Vianco, Rubens Lucchetti, Cláudia Lemes, Edyr Proença, Salomão Larêdo, Bruno Godói e Andrei Simões.
“Eu fui convidado pelo Felipe Larêdo, publisher da editora Empíreo, a inscrever um conto para a coletânea em homenagem ao ‘Corvo’, do Poe. Como já tinha participado do ‘Desnamorados’ (outro projeto da editora) e gostei do tema, escrevi um conto que foi selecionado”, relatou Bentes antes de me dizer ‘nunca mais’.
O livro está à venda no site da Editora Empíreo e custa R$39,90.
Leia um trecho de O homem por trás da cortina:
“Pelo vazio da claraboia, vejo uma luz que acredito ser da Lua clara. Mas não poderia tentar explicar, racionalmente, como a enorme pedra de quartzo poderia refletir de maneira tão viva a luz do astro-rei, do outro lado deste globo de rocha e águas superficiais, já que o lamento das nuvens ainda caía sem cerimônias do lado de cá da existência. Era uma luz que vinha de algum lugar ermo, sem pé neste mundo que mistura razões e mitologias estranhas, mas que vinha e projetava formas de folhas de árvores contra a claraboia e as janelas, que embora fechadas, tinham parcas frestas por onde escapava a brisa. E o ar em giro delicado erguia as cortinas finas, fazendo-as dançar, parecendo a mim como bailarinas sem corpo, mas com suas vestes ornais em balé divino.
Observei a dança das cortinas desgastadas para esquecer-me da água fria das vestes grossas e do vento que rodopiava ao meu redor. Até que vi, por trás de uma das janelas, aquilo que certamente parecia ser a silhueta de um homem. De pé, atrás da cortina, do lado de dentro da janela, no interior do velho casebre. Não movia-se, mas observava-me. Se não havia motivo para ser racional com estalactites formando-se em meu bigode, haveria, por outro lado, e de sobra, motivos para temer. Nunca pus-me a crer que seria a morte um homem entre uma janela de parcas frestas e uma cortina fina e desgastada pelo tempo.
“Quem és tu”, ele perguntou-me. “Sou Edgar”, respondi, mas minha voz saiu tenebrosamente pausada e intercalada por bateres de queixo e de dentes contra dentes. O calor escapava-me até por tentar falar. “Resta rangê-los”, ele disse, “porque dor já estás sentindo”. O homem por trás da cortina seguia imóvel, e não movia sequer o que deviam ser seus lábios. A penumbra do interior e luz misteriosa que vinha de fora acentuavam o mistério daquele cuja face não era capaz de enxergar. Era como se sua face fosse lisa como uma máscara de porcelana, sem os sulcos e variações de superfície que caracterizam os rostos dos homens.”