Tive uma conversa bem legal com o Mario Bentes, conhecido por muitos da terrinha como o Vendetta Baré. Politizado, jornalista, fotógrafo e escritor, Bentes se destaca por suas opiniões fortes e polêmicas, mas seu coração doce e apaixonado. Um dia ele escreveu uma crônica sobre mim e hoje sou eu que escrevo sobre ele – Parece que o jogo virou não é mesmo?

Mário e eu. Ignorem minha cara de 'queria estar morta'.

Mário e eu. Ignorem minha cara de ‘queria estar morta’.

Inicialmente conversaríamos no Café Molen, no Manauara, sugestão do próprio Mário. Inclusive a foto que tiramos foi lá. Mas confesso que em 10 minutos decidimos encher a cara no Mercatto. Detalhe: o papo ficou bem mais interessante. Confira:

 

MN Oi, Mário, tudo bem? Fala um pouquinho sobre de onde você veio e para onde está indo.

Bentes Tudo bem, obrigado. Nasci e cresci em Manaus. Já morei fora do Amazonas (Brasília e depois São Paulo), mas estou de volta. Por uns tempos. Não penso em ficar para sempre, mas não creio que ficarei para sempre fora. Ainda tenho o desejo de morar fora do país, também, mas pela necessidade de apreender outras culturas – e não por achar que nosso país seja ruim. Aliás, isso é uma grande besteira. Só que o mundo, a nossa única morada, é pequeno demais para passar toda nossa breve vida em um único lugar. É claustrofóbico.

 

MN Quando foi o momento exato em que você pensou “É, eu sei escrever, quero fazer isso da minha vida”?

Bentes  Sempre fui um leitor ávido. Muito mais pelas circunstâncias que por ser diferenciado. Se há uma coisa que me irrita é gente que se acha diferenciado porque lê livros. Minha mãe é professora e dava aulas na mesma escola pública em que estudava. Mas minhas aulas eram pela manhã, e tinha de ficar até o fim da tarde para voltar com minha mãe. Tínhamos uma casa no bairro, mas ela ficou alugada uns tempos e estávamos mais longe, na casa de um parente. Então, eu passava o dia inteiro na escola, e me asilava na biblioteca. Li tudo o que havia naquela pequena sala.

Mas o que me fez ter desejo de escrever foi quando li “Entre a espada e a rosa”, de Marina Colasanti. Era incrível. São contos em tom de fábula, que narram histórias medievais. Fiquei encantado na época. Quando fui crescendo e lembrava do livro, ficava pensando que, na verdade, achei incrível porque era criança. Mas ano passado, quando ainda estava em São Paulo, eu comprei o livro pela Internet. Quando chegou e comecei a reler, vi que a Marina é que é incrível: ela consegue cativar e emocionar crianças e adultos. E olha que eu era realmente uma criança ingênua. Hoje escrevo sobre demônios medievais.

 

MN Quais livros você já publicou?

Bentes  Sou autor de um único livro autoral, “A terra por onde caminho”. Passei anos com a ideia de um personagem mítico que fosse testemunha da História. Basicamente, eu me inspirava na música “Eu nasci há dez mil anos atrás”, do Raul Seixas, e imaginava um clip musical com esse personagem. Tal inspiração foi amadurecendo ao longo dos anos e, com outras referências, escrevi o livro de Uriel, o anjo da morte, que testemunhava, com suas próprias palavras e pontos de vista, os relatos bíblicos que lhe diziam respeito: ou seja, que abordavam a morte, carnificinas, etc.

 

Lançamento do livro "A terra por onde caminho" - Ao seu lado, nosso querido Navarro.

Lançamento do livro “A terra por onde caminho” – Ao seu lado, nosso querido Navarro.

 

MN Está trabalhando em algum no momento?

Bentes Hoje, além de organizar uma antologia, trabalho em meu segundo livro que, sempre perguntam, não é uma continuação. Pode-se no máximo dizer que pertence ao mesmo universo, mas definitivamente não é uma continuação. Além disso, já participei de antologias literárias, todas por editoras de São Paulo.

 

MN – Eu sou uma leitora ávida de fanfics e não posso deixar de perguntar: alguém já escreveu alguma sobre o seu livro? Qual sua opinião sobre elas?

Bentes Não que eu saiba. Mas fanfics, na minha opinião, são mais comuns em romances complexos, que envolvem universos e continuações. Comuns, mas não necessariamente assim. O que eu acho delas? Depende. Enquanto fica no campo da homenagem, tudo bem. Mas quando as obras fanficcionadas começam a ganhar dinheiro, entramos em um debate ético: até que ponto deve ir a homenagem? Quando alguém se apropria do seu universo, que exigiu, além de criatividade, horas de trabalho, noites em claro e muito dinheiro investido, já deixa de ser homenagem para ser plágio.

 

MN Quais são as suas maiores influências?

Bentes Minhas influências hoje são: Garcia Márquez, Borges, Hemingway, Saramago, Gaiman e Lovecraft. E uma infinidade de outras leituras que se manifestam de forma inconsciente no meu trabalho.

 

MN Dos autores do Amazonas, tem algum que chama mais a tua atenção?

Bentes Os clássicos, de sempre: Thiago e Hatoum. Mas estou certo de que precisamos de sangue novo.

 

MN Quando você vai escrever, tem algum ritual que você faz? Prefere um horário, toma alguma coisa?

Bentes Eu tinha essa coisa de ritual, horários, etc. Em Brasília, em meu primeiro livro, eu tomava um bom banho quando chegava da sucursal do jornal, saía para pedalar já à noite e ficava duas horas ouvindo “November Rain” sobre a bike. Voltava, outro banho, jantava e relaxava. Começava a escrever tarde, por volta das 23h, porque o vento frio que entrava pela varanda me inspirava. Era quase psicografia, ajudada com uma boa lata de energético. Depois de um tempo, contudo, o livro fica mais fácil de escrever, de certo modo. Você conhece tão bem o personagem (ou os personagens) que a coisa flui naturalmente.

Hoje já não tenho essa dependência de dias e horários. Eu não quero ser escritor de ocasião, mas um autor profissional. Criatividade é importante, mas persistência é fundamental. Veríssimo diz que sua musa inspiradora é o prazo de entrega. Sigo essa linha. Sento e escrevo. Não adianta muito esse lance de “só escrevo inspirado”. Muitos autores pensam que o texto que sai “inspirado” é um texto definitivo. Não é (risos). Todo texto vai precisar de edição e ajustes. Gaiman diz que, no fim do trabalho, você não saberá mais que parte do texto foi inspirado ou quando foi feito simplesmente porque tinha de ser feito.

 

MN Fala um pouco sobre a sua editora, a Lendari. Porque você sentiu a necessidade de criá-la?

Bentes Basicamente, alguns editoras de autopublicação (sou independente) ganham em cima de você (risos). Fiz muitos cursos sobre o mercado e os processos editoriais, e sinto que posso ter os mesmos resultados, ou até melhores, bancando tudo com meu próprio selo editorial. E sem ser roubado. Hoje sou roubado, mas isso vai mudar. Além disso, o selo tem uma filosofia de lançar novos autores. Comecei com antologias, e creio ser uma excelente ferramenta. A Lendari quer isso: fazer parte da história pessoal de futuros autores de referência do Amazonas.

 

MN Você é conhecido em Manaus, sobretudo nas redes sociais, por ser um ativista político. Em sua opinião, qual o maior problema do Amazonas?

Bentes Uau, que pergunta abrangente (risos). Depende, você diz politicamente, administrativamente, economicamente? Bem, ainda estamos de certo modo isolados, as coisas são caras e a qualidade de vida na capital é bem ruim. E os municípios do interior são pouco lembrados. É difícil saber por onde começar. Falta estrutura, investimento massivo. Em Manaus circula muito dinheiro, mas nem tudo fica na cidade em forma de melhorias. Não tenho uma resposta clara.

 

MN Que dicas você dá para os novos escritores que estão começando e querem publicar suas histórias?

Bentes Escrever é um passo bem anterior ao de publicar. Para publicar, há muitas opções. A Amazon tem uma plataforma, há plataformas em que a obra fica disponível gratuitamente e recebe comentários dos leitores. Tem editoras de autopublicação (mas tomem cuidado com algumas delas). Hoje, contudo, percebo autores ainda verdes querendo publicar, publicar e publicar. Mas esquecem de aperfeiçoar o próprio texto. A ordem é, portanto, escrever, reescrever e reescrever. E repetir se necessário. Depois vemos a parte de publicar. Ah, e ler, por favor. Ninguém vira escritor lendo um ou dois livros. Não precisa ser necessariamente leitor de clássicos. Clássicos são importantes, mas o fundamental é ler obras diferentes, até mesmo aquilo que não é sua principal inspiração. Leia, escreva e publique. Nessa ordem. Depois você vai construindo seu próprio estilo de prosa. Como diz Gaiman, Tolkien não lia Tolkien.


 

Leia um trecho de A Terra por Onde Caminho

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