As Crônicas de Acheron é uma série de fantasia publicada toda quarta-feira no Mapingua Nerd.
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Por duas luas a caravana seguiu nas intermináveis trilhas iluminadas pela luz amarela insistente que empalidecia a constante escuridão da planície. Já restabelecida do cansaço, Ranemann ia junto às Friyjuhim montada em Gwlaud que guiava o exército de formigas. Iam enfileiradas, marchando. E a elas se juntavam outras por onde passavam. Das brechas da terra e dos troncos podres. Do interior das árvores vivas que formavam a vasta floresta oriental. De todos os lugares surgiam outras formigas para acompanhá-los naquela misteriosa caminhada no interior da Floresta das Sequoias Colossais. A grande fera sabia de suas dores no lado, e para poupá-la, seguia a passos macios. Assim ela podia se distrair olhando os passarinhos que furtivamente a acompanhavam em silêncio de galho em galho. “ -Vejo muitos baobás por aqui. A vegetação está mudando, e quase não há mais sequoias! Cada vez mais os pinheiros tomam seu lugar. Tudo está tão quieto! – “ A mudança de ares chamava sua atenção pois os passarinhos não cantavam mais e a floresta se tornara diferente, com trilhas mais estreitas e o solo mais seco. As copas agora baixas e esparsas permitiam mais facilmente a entrada da luz que assim revelava a vida outrora escondida pelas trevas espessas. Diminuta e colorida. Estava ali, passeando por entre os feixes delicados de luz que cintilavam com o movimentar da vegetação rasteira misturada ao solo. “ – Que lindas essas libélulas! Nelmitri devia ser assim! – “ O lugar parecia ter saído diretamente do Livro dos Dias.

Lembrou-se instantaneamente das histórias que Morjal e Claekuth contavam ao redor da fogueira de como o Uno recebia os homens em seu bosque abençoado a cada viração do dia. De como a alegria que preenchia as gotas transbordantes do Lago da Criação pintavam a Terra dos Carvalhos com todo tipo de criatura marcada pelo brilho da bondade de Bel. “-Sempre fui incentivada por minha mãe a manter a memória da juventude de Acheron, mas nunca imaginei que aqui pudesse ver algo assim. – “ Foi assaltada então pela saudade. Não da Acheron que não conheceu. Mas de seus pais. Lembrava mais uma vez de Claekuth e Morjal brincando com ela no pequeno jardim dos fundos de seu lar e da sensação de segurança em seus braços. De sua educação em Thelim nos mistérios através do simples observar da natureza. O olhar professoral de Claekuth era vívido em sua memória apesar de estarem separadas há tantas luas de caminhadas. “-Mãe, tua força é tão magnética! Todos te ouvem e creem na tua sabedoria! Reis, heróis, homens ricos e pobres… tantos te buscam e te seguem a ponto de morrerem por ti!  Mas para onde me enviaste? Apenas para ver esse arremedo do que outrora fora nosso mundo? Ah, minha mãe! É provável que não nos vejamos mais! E não te ouço mais em sonhos ou visões! Sinto-me fraca, e a juventude me escapa da essência, pois são tantas agruras! Sei que me amas, mas por que me deste essa demanda? Tu, que recebes os desígnios do Uno através das aves do céu, diz para mim… por que me enviaste? – “ Recorria mais uma vez à apreensão como salvaguarda de suas dúvidas sobre si. Pois sabia que não era a mais habilidosa em batalha ou de essência firme. Mesmo sendo douta na Visão, não possuía discernimento suficiente para distingui-la dos sonhos e desejos de seu coração. E tudo o que passara até ali apenas confirmava o que sabia a seu respeito. ”-Mas, como duvidar de Claekuth? ”.

Porém, apesar de não ter mais ouvido a sua voz desde a última vez na Floresta Escura, cria que ali, nos extremos da Terra dos Carvalhos, o Uno estava com ela. E por alguns momentos podia quase ouvir as conversas entre Gwlaud, as Friyjuhim e as formigas. E que elas queriam lhe dizer algo importante. Mas não possuía os dons necessários.

“- Para onde estão me levando? E por que elas estão se reunindo? Uma pena não conseguir ouvi-las nem falar sua língua! Aliás, uma pena não falar a língua de ninguém aqui! Pois poderia assim pelo menos agradecer a todos! -“ Pensava Ranemann, segura, porém cautelosa, enquanto ia sentada no lombo do grande lobo cinzento. Sabia que aquelas terras escondiam a ameaça dos bárbaros do Leste. E os temíveis homens degenerados. “- Ainda posso sentir o hálito e o frio da pele pútrida daquele maldito que me atacou! Como Jotih e Mafura foram destemidos! Ah, meus amigos! Triste lembrar que Mafura pereceu! -“ Sentira mais uma vez saudades de ambos. Pois a eles se afeiçoara por conta de suas bondades. Afinal, deram a ela e Atelith abrigo quando as encontraram errantes nas fronteiras da planície com as bases do planalto que leva à Floresta Escura. E as protegeram do terrível ataque enquanto procuravam musgos e visgos para mantimento. “- Acheron está repleta deles. Que tipo de feitiçaria os bárbaros dominam para criá-los? Ou seria mesmo como dizem? Que foram contaminados por águas odiosas e suas essências assim destruídas pelo Mal? Os malditos homens degenerados que nos atacaram às margens do Acherontis… Melikae acreditava que teriam sido contaminados pelas águas do rio. Mas, ele e Zitri caíram no Rio Primordial e, certamente beberam de suas águas. Segundo Zitri, Melikae pereceu no interior das Femiaren. São. E Zitri… bom. Até antes de sua partida para as praias do Leste… ainda era o mesmo! Mui intrigante! – “ Assim pensava. Sim, apesar das ameaças que a espreitava nos caminhos percorridos com seus amigos, estava ela livre do medo. Pois Gwlaud a salvara em sua hora mais escura. Assim, para onde quer que ele a levasse, ela não se importaria. E por isso vez ou outra o afagava. E ele retribuía com o esporádico lamber de suas pernas e rosto ao descansarem na viração do dia sobre as grandes folhas das avencas e samambaias. O silêncio então era interrompido pelo anunciar da noite de Gwlaud através de seus uivos. “- Para quê tanta melancolia, meu amigo? –“ Na terceira noite, a voz dele foi entoada quase como um lamento enquanto sobre a carcaça do Draquon inclinava sua cabeça para os céus várias vezes. Desde o dia anterior encontraram vários cadáveres de animais abençoados. Todos revestidos pelas bardas de couro bordadas com as insígnias do Povo das Alturas. Jotuh, apesar de morto, havia obtido êxito em seu malévolo intento. A maior força de Vatrehuh havia sucumbido. O Norte certamente tomado pelos rebeldes. E Patrulha se desfeito. “-Mas, e quanto a Zitri, Sabretil, Jotih e Uhtyl? Teriam já chegado nos extremos do Leste? Estariam guerreando contra os bárbaros orientais? Teriam vencido? Ou sucumbido? Senhor de Bel, ajuda-os! –“ A viagem silente já de quatro luas permitia-lhe tempo para as constantes divagações. Já na sexta lua, enquanto ao redor da fogueira comia um coelho assado e dividia algumas migalhas com as formigas, brincava Ranemann com Gwlaud, acariciando-lhe o focinho. As Friyjuhim observavam tudo ao redor, vigilantes.

-O que aquele maldito teria feito para enlouquecê-los? – Disse baixinho, sem esperar resposta do lobo. Pois não podia compreendê-lo. E ele apenas a encarava com seus olhos negros e profundos, enquanto sentado levantava animoso sua pata esquerda para que ela a pegasse. “-Espero que Vatrehuh e Atelith tenham sobrevivido.- ”. A alta noite da sétima lua lhe trouxe de volta mais uma vez a lembrança dos dois. Como podia Atelith ter agido de tal forma? Ou teria o ardiloso Jotuh inventado aquilo a seu respeito? Conhecia muito bem Atelith, e sabia que apesar de seus defeitos, nunca iria além das suas costumeiras pequenas maldades. “-Não. Ela não seria capaz. –“ E mesmo que fosse, Ranemann não conseguiria odiar sua irmã. Fragilizada pelas caminhadas em solitude voltou a sentir que poderia amar o senhor colérico e destemido do Povo das Alturas. Após tanto tempo viajando sem chegar a lugar algum, a mente de Ranemann estava completamente povoada por muitas indagações e lembranças do seus que acreditara ter perdido. E assim chorava se lamentando.

No entanto, Gwlaud, as formigas e as Friyjuhim seguiam firmes ao seu lado sem perder a contagem das luas. E na nevoenta noite da décima quinta lua descansavam Ranemann, as formigas e as Friyjuhim profundamente ao redor da fogueira, a ponto de estas até apagarem suas luzes dado o pesado sono, quando foram acordadas todas de súbito pelos rosnados odiosos do grande lobo cinzento.

Continua…