Atenção: Esta é uma obra de ficção. Todos os serumaninhos mencionados serviram apenas como inspiração para a obra e em nada aqui relatado condiz com a realidade.


Parte 1: A Filha do Fogo – Sonhos do Destino

Seus passos leves e cautelosos interromperam o silêncio sepulcral do lugar.

A luz da lua iluminava pelas frestas das ruínas do longo corredor a sua frente com seus dez metros de altura, tornando a caminhada cada vez mais interessante.

Gravuras de grandes batalhas entalhavam as paredes de ambos os lados. Havia runas também nas bordas superiores e inferiores como relatos de proteções outrora rompidas.

Entalhes de criaturas mitológicas ganhavam destaque: um grande lobo, uma serpente que circundava tudo e uma mulher adorada por todos os mortos embaixo de uma árvore colossal.

Não sentia medo, mas uma ansiedade que crescia cada vez mais. A curiosidade dela pelo desconhecido movia seus passos sempre em frente. Era seu ímpeto primal. Como se tudo aquilo a guiasse desde o momento que nasceu até aquele instante.

O vento forte que atravessava a parede ressoava doces notas líricas. E logo foi possível entender palavras no vento, como uma voz feminina poderosa e imponente chamando-a:

“Venha, minha filha!

Você, filha do fogo.

Irmã de Fenrir, Hela e Jormungand.

Os gritos que tremem Midgard

Finalmente a clamam!

Venha, minha filha!

Sua herança a espera!”

O corredor finalmente terminou em um grande salão. Percebeu que estava em um enorme castelo, mas apenas o corredor estava em ruínas. Como um acesso restrito, algo reservado e acessível somente por ela depois de tantas eras.

Notou que uma sombra se movia rapidamente pelo escuro. Algo enorme e com asas a circundava pela parte escura do salão, se aproximando cada vez mais.

Quando ela tentou se aproximar, sentiu uma lufada de vento de uma das asas que foi forte o suficiente para derrubá-la. Ao tentar levantar sentiu uma sombra pairar sobre ela e um grande olho amarelo com uma pupila negra e esverdeada fitando-a a poucos centímetros de seu rosto.

Manaus, 10 de junho de 2017

Fernanda acordou assustada com o sonho que acabara de ter. Forçou a vista para confirmar que estava no seu quarto, deitada na sua cama e com seu gato preto miando e tocando-a insistentemente com sua pata.

– Calma, Molen! Já vou te dar comida! – disse preguiçosamente enquanto o colocava deitado em seu peito acariciando-o como fazia quase todas as manhãs.

– E só o gatinho ganha carinho? – disse uma voz feminina vindo do seu lado direito.

Lembrou que não estava sozinha. Havia trazido companhia para passar a noite logo que saiu do Frankfurt Bar. E percebia mais uma vez o quão podia se sentir vazia e sozinha quando não se está com a pessoa certa.

– Claro que não! – respondeu carinhosamente enquanto se virava para a ruiva tentando arduamente lembrar seu nome.

Levantou após passar algum tempo trocando carinhos matinais. Sentia-se melhor, sabia que mesmo o vazio pode ser paliativamente preenchido sim, uma vez ou outra. E sabia que precisava disso mesmo que nunca admitisse.

Colocou comida pro Molen e foi em direção ao espelho usando apenas uma blusa de Star Wars. Amarrou o cabelo e aproveitou para se olhar um pouco. Não se olhava com vaidade, mas como quem olhava atentamente seus próprios detalhes.

Sentia orgulho do seu longo cabelo preto e liso. Já alcançava sua cintura. E mesmo que quisesse, não podia esquecer as sugestões que ouvia diariamente para cortá-lo ou pintá-lo de diversas formas possíveis. Entretanto, teimar era um de seus passatempos favoritos.

– Sabe, faltam dois dias pro Dia dos Namorados… – sussurrou a ruiva em seu ouvido enquanto a abraçava por trás.

Fernanda percebeu que eram quase da mesma altura, próximo de seus um metro e oitenta e cinco centímetros. E lembrou-se da Sam. Lembrou como ela era menor e como o abraço dela as encaixava perfeitamente. Mas também lembrou que não estavam mais juntas e se afastou da ruiva.

– Olha… Eu não quero ser rude, mas nós não estamos namorando! Nós só saímos três vezes! – Fernanda disse como um leve desabafo.

– Ah! Então quer dizer que sou apenas alguém que você usa quando quer? – a ruiva replicou indignada.

– Eu realmente não quero começar uma discussão tão cedo pela manhã. – Fernanda já não tinha mais paciência para discutir um relacionamento que nem sequer tinha começado. Ela apenas pegou Molen e sentou ao lado da cama acariciando-o e ignorando tudo que a ruiva vociferava irracionalmente.

Depois de alguns minutos a ruiva se vestiu apressadamente e saiu batendo a porta se despedindo com um sonoro: “… E nós saímos quatro vezes, não três! Quatro!”.

Fernanda ainda se impressionava pela falta de bom senso das pessoas. E ainda lhe incomodava profundamente ser necessário impor sua vontade diante da carência alheia. Mas não foi a primeira vez que algo assim acontecia e tão pouco seria a última. Pegou o celular e lembrou que tinha uma reunião do Mapingua Nerd com o Erlan e o Thiago em poucos minutos. Pegou algumas roupas à mão, se vestiu e saiu às pressas.

Já era tarde quando retornara para casa. Havia tido um dia exaustivo e tudo que ela mais queria era dormir cedo mesmo que tivesse chegado às onze da noite e dormir prontamente era um sonho que não realizava desde os quinze.

Tomou um banho, colocou uma roupa confortável e deitou. Estava prestes a conseguir finalmente dormir quando ouviu Molen miar insistentemente olhando seu reflexo no espelho. Não costumava ser algo que ele fazia, mas de qualquer forma não a deixaria dormir tão cedo. Levantou e o trouxe para a cama consigo, mas ele relutou para se livrar de seus braços e voltou para a frente do espelho retomando os miados.

Fernanda bufou já impaciente e foi ver o que atraía tanto o interesse do seu gato. Ficou de frente pro espelho, abaixada e tentando ver o mesmo ponto do espelho que Molen via. O quarto estava escuro e apenas a luz fraca e indireta do abajur iluminava o local.

Ela então viu o reflexo de Molen crescer como uma sombra negra refletida e ganhando proporções cada vez maiores. Começou a ganhar asas e batê-las enquanto desse lado Molen estava hipnotizado e não parava de miar.

Sentiu a mesma lufada do seu sonho invadir seu quarto. Um vento forte fazia os papéis voarem em espiral. Tentou parar colocando as mãos no espelho e assim viu Molen atravessar o espelho e sumir na escuridão do seu reflexo.

Ela viu novamente o enorme olho amarelo com as pupilas negras e esverdeadas e lembrou-se do sonho, da voz lírica e do chamado. No seu reflexo, ela se viu com um corselete de couro, olhos vermelhos e seus longos cabelos negros que balançavam com o vento e a neve.

A superfície do espelho começou a brilhar cada vez mais forte até um grande clarão tomar seu quarto.

Em algum lugar da Suécia, 856 D.C.

O frio intenso da neve em seu rosto a fez acordar. Estava na base de uma montanha coberta de neve por todos os lados. Percebeu imediatamente que estava muito, muito longe de Manaus. Estava sozinha e não havia sinal nenhum do Molen.

Pensou inicialmente ser um sonho, mas a neve era real demais, o frio também. Estava realmente vivendo esse momento e precisava encontrar abrigo o quanto antes.

Contornou parte da montanha procurando uma caverna, mas não encontrou nenhuma ou tão pouco alguma outra formação rochosa que a livrasse dos ventos diretos e congelantes.

Mas notou uma vila alguns quilômetros ao norte e partiu em sua direção sem pensar duas vezes. Mas ao chegar nessa vila, não havia ninguém. Estava completamente abandonada e com a neve alta na estrada que quase não podia ser identificada.

Caminhou pelas casas e todas estavam com suas portas e janelas abertas. Imaginou que os habitantes houvessem abandonado seus lares às pressas por algum motivo. Até que tropeçou em algo na neve. Abaixou-se e afastou um pouco a neve e viu um aldeão morto. Seu sangue havia secado e seu corpo já havia sido totalmente coberto pela neve. Ao que parecia a vila inteira tinha sido dizimada alguns dias atrás.

Não demorou para que sua presença fosse notada e assim um troll apareceu de dentro de uma das casas e foi em sua direção.

Ela não tinha nenhuma arma em suas mãos e não encontrou nenhuma em seu campo de visão, precisava correr. E assim partiu para mais ao norte da vila.

“Jamais imaginaria ver Trolls tão longe de Svartalfheim!” Pensou sem entender o que estava acontecendo.

Ao voltar-se para medir a distancia que seu perseguidor estava dela, notou que mais dois trolls a seguiam junto ao primeiro. Não tinha outra maneira, precisava fugir.

O terreno começou a inclinar cada vez mais que ela se dirigia para o norte. Era arriscado demais contornar tomando a direção leste ou oeste e ser alcançada pelos trolls.

Até que chegou à beira de um penhasco, parando abruptamente poucos centímetros antes de cair. Não tinha para onde ir. A queda provavelmente a mataria, contornar a faria ser alcançada facilmente. Acuada, tinha como única alternativa lutar.

– Finalmente parou, humana! Essa corrida apenas me deixou faminto! E só há uma maneira de descobrirmos se você terá carne suficiente para nós três! – Disse um dos trolls com uma voz gutural no dialeto troll que ela facilmente compreendia.

Ela cerrou os punhos e gritava de raiva e ódio fazendo seus cabelos começarem a adquirir uma tonalidade azulada enquanto balançavam ao vento. Mas nada disso intimidou seus inimigos que investiam em sua direção.

Mas antes que eles estivessem ao seu alcance, todos ouviram o bater de asas e um longo rugido que fez com que parassem aterrorizados.

Um grande dragão negro surgia do desfiladeiro descendo por trás da Fernanda. Ele usou sua pata dianteira para pegar Fernanda cuidadosamente e em seguida soprando uma rajada de ácido nos trolls que derreteram imediatamente.

Ela subiu para o dorso do dragão e ele voou em direção ao leste onde logo pode ser visto o castelo que Fernanda havia sonhado.

– É bom ter você de volta, Molen! – Ela disse enquanto abraçava seu dragão.


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