Saí do cinema animado. Como não saia já há algum tempo.

A despeito dos blockbusters que vem e vão, foi com muito ânimo que pude prestigiar ontem, 31 de maio, a Noite do Cinema Amazonense no Studio 5, organizada pela Amacine – Futuros Cineastas, que auxilia na produção de filmes autorais aqui de MAO City (alguns curtas meus também, inclusive haha). Em fevereiro a Mapingua Samantha foi na Mostra de Cinema Amazonense, sobre a qual falou aqui, e agora foi minha vez de ir prestigiar o cinema local.

Os curtas exibidos foram produzidos na capital e em alguns municípios do interior também, como São Gabriel da Cachoeira e Tefé, e é gratificante acompanhar o crescimento das produções autorais daqui não só em qualidade como em técnica cinematográfica. Alguns problemas característicos ainda são comuns (o som principalmente) mas em contra-partida são notáveis os avanços nas produções locais.

Ainda que tenha ocorrido alguns tropeços na abertura e durante a exibição dos filmes (um zumbido infernal tomou conta da sala de cinema em alguns momentos), de modo geral, pude apreciar cada curta dessa nova leva de produtores audiovisuais que, não importando o nível da produção, percebe-se o afinco e dedicação aplicado em cada uma. Vamos às minhas impressões de cada um?


O Segredo de Amanda, de Evanildo Oliveira e Ildelan Santos

O primeiro curta exibido foi um pouco prejudicado pelo zumbido que eu havia mencionado antes, porém a mensagem do filme conseguiu ser passada apenas com as imagens: nem sempre quem parece mais fraco de fato o é.

Mani, de Paulo Rodrigues

Confesso que demorei um pouco para perceber que se tratava de uma adaptação de uma nossas lendas regionais mais famosa, A Lenda da Mandioca, uma vez que o desenvolvimento da protagonista demora um pouco para mostrar seu papel essencial na trama, mas, assim que é estabelecido, tudo fica mais claro para quem já familiarizado com a história. 

Repleto de imagens que mostram o melhor que temos aqui (não irei esquecer a imagem do rio em correnteza enquanto um casal se banha na beira dele tão cedo), é um bom exemplar de adaptação para quem não conhece a nossa versão da origem da mandioca.

Ainda que as atuações sejam um pouco “mecanizadas”, o filme cumpre o seu papel de esclarecer nosso ponto de vista caboclo já que pelo resto do Brasil há outras versões.

Açaí, de Romeu Pereira

O cuidado no preparo da bebida regional favorita deste Mapingua que vos escreve, e para qualquer um que AMA açaí, registrado neste curta não é só de dar água na boca como também de encher os olhos de lágrimas pela construção da narrativa visual. Esta ode ao açaí merece ser vista como uma constante lembrança das melhores coisas que possuímos aqui. 

Máquina, de Davi Penafort

Com uma bela estética visual utilizando a contraposição de cores (preto e branco), “Máquina” é um interessante curta experimental que só perde um pouco de sua força ao tentar estabelecer um antagonismo de um objeto externo (do qual vem o título) como conflito e clímax da narrativa. No mais, vale a pena assistir.

Honestidade, de Gabriel Mendes

Um retrato de cenas (possíveis?) do cotidiano. Difícil acreditar que algo como o que acontece em cena neste curta realmente aconteça corriqueiramente na vida real e talvez este seja o maior trunfo dele… de só acontecer no cinema.

Boneca, de Igor Paiva

O impacto da mensagem deste curta tropeça em alguns problemas como a sexualização da protagonista de maneira explícita. Um pouco mais de sutileza na preparação do clímax deixaria o choque final mais eficiente, como conscientização da realidade estarrecedora que a película denuncia.

O Auto da Droga Vencida, de Lyandra Cordeiro e Thiago Lima + O Bolo, de Wander Luiz

Não chamaria estes curtas apenas de “trash”. O “Auto da Droga Vencida” é uma das legítimas pérolas de comédia trash produzidas aqui, que a princípio parece só mais um vídeo da nossa geração youtuber, mas é esforçado em não ser levado a sério, sem compromisso. Seu maior trunfo é não se importar em ser o que é, conseguir arrancar risadas do público com piadas bestas (e neste caso isso é um elogio!) e, ainda que tenha uma produção visivelmente modesta, o comprometimento de seus atores deixa a película bem divertida.

O mesmo que pode-se dizer de “O Bolo”, de Wander Luiz, que não se importa em ser porralouca cheio de referências à cultura pop do cinema. Ambos são dois curtas divertidos e honestos.

Koleshov, de Rômulo Souza

Breve e eficiente explicação sobre metalinguagem no cinema e o efeito Kuleshov, além de ser agradável visualmente pra não dizer o clichê que a fotografia é bonita.

Este curta deveria ter sido um dos primeiros a sere exibido não por ter curta duração, mas sim para que ficasse mais tempo na memória coletiva do público, antes que esse mergulhasse de vez no filmes a seguir.

Parque Amazonense, de Ary Santos

Um registro documental do saudoso Parque Amazonense com relatos de alguns jogadores que viveram boa parte de suas vidas ali. “Parque Amazonense” se mostra com um importante arquivo de memórias de um lugar que embora hoje em dia esteja abandonado, ainda ecoa seus dias de glória na mente e no coração dos mais antigos. Um documento importante para os que o não conhecem e os que nunca vão esquecê-lo. P.S.: O diretor é esse rapaz ao meu lado na foto ali em cima.

Um Momento no Tempo, de Rodson Xavier

Singelo curta sobre a passagem da vida, econômico nos cenários mas eficaz na montagem e na transmissão da mensagem.

Puraquê, de Wagner Santinny

Nunca ouvi falar da lenda do Homem – Puraquê, mas este curta me despertou a curiosidade sobre. Final previsível, porém a confecção da maquiagem do personagem-título compensa um pouco.

Barulho, de Lucas Martins e Eric Max

Quando eu ouvi trilha “Fígaro (Barbeiro de Sevilla)”, esperei pelo pior. Não num primeiro momento. No primeiro momento, fui arremessado diretamente para a infância quando assistia Looney Tunes e o insano Pernalonga fazia a barba de algum coitado enquanto cantava essa música. Me dei conta do perigo que aquilo representava e me perguntei se o diretor havia sido inteligente ao utilizar essa trilha para evocar um perigo oculto, ou um pouco sádico ou simplesmente a usou para fazer piada com a situação do protagonista.

“O Oculto”, aliás,  é um protagonista à parte no filme. Com o plot de uma situação comum a todo ser humano (quem nunca chegou em casa bêbado cansado a ponto de desmaiar de sono, acordar de madrugada ao ouvir um barulho estranho na sua casa que sabe Deus de onde está vindo?

Utilizando inteligentemente a escuridão da casa como passagens de cena, “Barulho” não tem um mas vários clímax ao colocar o espectador numa tensão crescente, se perguntando se o protagonista afinal vai descobrir ou não o quê ou quem está causando o título ou se isso é quem vai “descobrir” o protagonista antes.

Como disse antes, aproveitando cenas de filmes como “O Dia Em que A Terra Parou” e uma animação protagonizada pelo alienígena Marvin do Looney Tunes (outra curiosidade que ajuda a crescer a tensão – como a televisão estava ligada? Quem a ligou?), “Barulho” é eficiente em usar elementos que denunciam a origem do conflito de forma sutil e eficaz (algo que faltou em “Fly”, por exemplo, que abordarei mais a frente).

Solucionando a questão durante o filme (o que deixa a cena final muito mais impactante), “Barulho” é um inteligente filme de terror psicológico (com alguns toques de comédia também, se você parar pra se identificar com algumas situação inerentes ao medo) que merece circular por festivais aí afora.

Fly, da turma do primeiro período de Marketing da Uninorte

“Fly” me pegou. Nos 5 primeiros minutos, me pegou.

“Nossa”, pensei. “Esse filme deve ser bom”.

E de fato. “Fly” o é. Grande parte graças ao seu protagonista (Jan Carlzon) que embora deixe dúvidas desde o princípio sobre a dualidade de seu caráter e pela construção da narrativa, “Fly” é envolvente até pela quebra da quarta parede, quando seu protagonista conversa com o público de forma ambígua sobre a sua possível ou não inocência na acusação de assassinato de sua esposa. Os problemas de Fly começam abertamente quando ele passa a subestimar o seu público. Tendo uma personagem carismática (ainda que criminosa) em mãos, você torce para que Jan Carlzon não seja acusado (ou pelo menos, preso) pela força de sua atuação.

Tendo consciência de que está num filme, Jan Carlzon tira piadinhas muito boas sobre sua situação e sobre quem ele é realmente. Assim como “Kuleshov” (que ainda que breve se sai mais eficiente em termos de metalinguagem), “Fly” abusa do recurso, o que torna a narrativa cansativa da metade para o final, tornando o protagonista (que a princípio era carismático) aborrecido para o público, chegando ao cúmulo de fazer deboche com quem o assiste como se fosse uma grande sacada dizer: “Vocês não estavam prestando atenção direito, estava na cara de vocês o tempo todo!”. Perdendo força em momentos chave e em outras em que a impaciência de parte do elenco fica evidente. Nota-se durante a entrevista de Jan o entrevistador balançando a perna em alguns momentos, o que dificilmente seria parte da composição de personagem já que o destaque do apresentador era justamente seu “puxa-saquismo” ao seu entrevistado.

Inegavelmente um dos curtas mais bem elaborados no quesito construção de personagem, dos vários tiros que “Fly” dá, acerta alguns no alvo, e isso já é muita coisa.

E o melhor de tudo, estamos só começando. É um bom tempo para ficar animado e otimista com a produções autorais daqui. Espero sair assim mais vezes do cinema.