Muito antes de Copérnico e Galileu, os indígenas já estudavam o movimento dos astros para conhecer os períodos de seca e cheia dos rios da Amazônia, assim como épocas específicas do ano para plantar e colher. Muitas vezes eles estiveram até a frente da ciência contemporânea à época.


O missionário capuchinho francês Claude d’Abbeville, em 1612, passou quatro meses entre os tupinambá do Maranhão. Em trechos de seu livro Histoire de la mission de pères capucins en l’Isle de Maragnan et terres circonvoisines, ele conta que os tupinambá atribuíam à Lua a causa do fluxo e refluxo do mar. Segundo d’Abbeville, os indígenas distinguiam muito bem as duas marés cheias que se verificam na lua cheia e na lua nova ou poucos dias depois.

O interessante é que somente em 1632, vinte anos depois, é que Galileu Galilei publicou Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo, obra que marcou toda a ciência ocidental nos séculos seguintes. Neste livro Galileu afirmava que a causa das marés eram os movimentos de rotação e translação da terra, no entanto desconsiderava a influência da Lua.

E somente setenta e três anos após a publicação de d’Abbeville, em 1687, é que Isaac Newton demonstrou que a causa das marés é a atração do Sol e da Lua. Esses fatos mostram que, muito antes da Teoria de Galileu ou da comprovação de Newton, os indígenas que habitavam o Brasil já sabiam que ela é a principal causadora das marés.

De acordo com o Prof. Germano Afonso, doutor em mecânica celeste e atualmente etnoastronomista, os indígenas já utilizavam os corpos celestes para se localizar.

Germano Afonso fez carreira como professor de astronomia na UFPR e atualmente faz pesquisas no campo da arqueoastronomia

Este conhecimento da astronomia também era muito utilizado para a agricultura. Os indígenas associavam as estações do ano e as fases da Lua com a biodiversidade local para determinarem a época de plantio e da colheita, bem como para a melhoria da produção e o controle natural das pragas. É claro que este conhecimento era envolto em lendas e alegorias:

Lua, irmão do Sol, entrava tateando no escuro, no quarto da irmã de seu pai, com a intenção de fazer amor com ela. Para saber quem a importunava todas as noites, sua tia lambuzou os dedos com resina e de noite, enquanto Lua a procurava, passou a mão em sua face.

No dia seguinte, bem cedo, Lua foi lavar a face para retirar a resina. No entanto, a substância não saiu, e ele ficou mais sujo ainda. Por esse motivo, Lua tem sempre a face manchada.

Desde então, a lua nova lava seu rosto, fazendo chover para tentar tirar as manchas de resina, que ficam mais visíveis quando ela se torna cheia. 

Esta fábula explica como surgiram as crateras lunares e como se dão os períodos de chuva e, é claro, que incesto não é algo aconselhável.

Constelação de Ema, usada pelos indígenas para identificar o início do inverno

Segundo d’Abbeville, os tupinambá conheciam muito bem as Plêiades (grupo de estrelas visíveis na constelação de Touro) e as denominavam Seichu. Quando elas apareciam no lado leste, afirmavam que as chuvas chegariam, como chegavam efetivamente poucos dias depois. Como a constelação aparecia alguns dias antes das chuvas e desaparecia no fim para tornar a reaparecer em igual época, eles reconheciam perfeitamente o intervalo de tempo decorrido de um ano a outro. Similar a leitura atual dos tembé, o surgimento das Plêiades anuncia a estação da chuva. Já para os guarani, o aparecimento das Plêiades anuncia o verão, enquanto o seu desaparecimento indica a proximidade do inverno.


Contudo, Prof. Germano afirma que devido à redução da população indígena no Brasil e a dificuldade de repassar conhecimento às novas gerações, esse saber corre o risco de se perder. Resta a nós, que herdamos e partilhamos desse conhecimento, não deixar tal cultura se extinguir.