As Crônicas de Acheron é uma série de fantasia publicada toda quarta-feira no Mapingua Nerd.
Para ler os capítulos anteriores, clique aqui.


Registrou o escriba:

Entre as almas nobres que se lavavam no Acherontis rumo ao Outro Mundo Inferior e que foram contaminadas com o sangue pútrido do Dragão moribundo, houve uma em especial nobreza e bondade. Em vida fez parte da família dos Censores dos Vilca e pereceu em plena juventude no incidente dos Jogos de Honra*. Atheran, nobre fidalgo – às portas de sua décima nona primavera – com um golpe de lança desferido na testa, por seu ardiloso adversário Miletahal, tombou sobre as fileiras dos guerreiros dos Jogos de Honra realizados em homenagem a seu pai Orath. Seu amor pelos grandes cães cinzentos e pela espada o tornou amado pelas donzelas e cantado pelos bardos contadores. Seus nove cães cinzentos os acompanhavam na viração da noite em caçadas às feras que assaltavam o gado do povo além dos limites da habitação dos Vilca no Malgaroth. Sua espada era admirada pelos guerreiros de seu povo e por seus pais Censores. Atheran, porém, jovem pereceu nos Jogos de Honra. E sua alma cumpriu o ciclo dos homens e rumou para as águas primordiais das entranhas da Terra dos Carvalhos.

A inveja e o ódio presentes no sangue negro de Draemoniach então contaminaram a essência de Atheran, que nas águas subterrâneas do Acherontis estava a se lavar para purificada adentrar no Outro Mundo Inferior. Medo e loucura também contaminaram a alma do nobre vilca bem como orgulho e delírio, e assim surgiu a paranoia. A alma de Atheran agora subsistia em meio à paranoia delirante e o orgulho desenfreado. Por ser mais nobre das que estavam rumo ao Outro Mundo Inferior, a alma de Atheran se envaideceu, e então agora dizia. “-Não é meu destino aqui ficar, subsistindo frente à servidão de Fyr”. Assim, a essência de Atheran do Outro Mundo Inferior evadiu-se e pela Terra dos Carvalhos e vagou até nas cavernas das Femiaren encontrar morada.

A essência orgulhosa de Atheran, agora fugitiva, fez morada nos recônditos das cavernas das Femiaren. Buscando a quem tomasse parte de seu delírio e paranoia, encontrou as criaturas inferiores que lá habitavam e delas também fez suas servas. Em seu delírio e vaidade, agora a essência de Atheran intentava ser adorada pelas criaturas que contaminou nas Femiaren. Pois Atheran também passou a nutrir o desejo de possuir os atributos do Uno e dos Atemporais. De tal modo, a essência agora pervertida de Atheran desejava ser adorada e de criar tal qual os Senhores Atemporais e o Uno. Assim, a essência de Atheran desejava o corpo de um Deus para assim reinar tal qual o Uno. De si então se fez uma amedrontadora serpente de longos braços de prata e grande boca com dentes de ferro. Sim, Atheran agora possuía um monstruoso corpo, e assim despertou grande medo nas criaturas inferiores que nas Femiaren habitavam. E Atheran agora subsistia nas cavernas, se arrastando languidamente pelo chão e atemorizando os que ali habitavam. O medo e o horror foram os instrumentos que o Deus Serpente Atheran fez uso para estabelecer o seu domínio nas Femiaren.

Assim, o desejo pervertido de Atheran dominar as pequenas criaturas que nas Femiaren habitavam o levou a se tornar o Deus Serpente, e seus poderes advindos do sangue negro do Dragão caído passaram a perverter também a criação do Uno. Atheran, então satisfeito com seu novo corpo, agora intentava também criar servos para aumentar suas hostes e estabelecer reino perpétuo no lugar. Assim, Atheran passou a transformar o pó da terra que habitava em toda sorte de criatura maligna. O Deus Serpente recebia oferendas continuamente de seus servos mericalhos. Nenhuma criatura que no lugar habitava escapava do desejo desenfreado do Deus Serpente de ser adorado. Assim, o Deus Serpente fez das Femiaren e dos que nela habitavam seu domínio. O domínio do Deus Serpente era então as Femiaren e as criaturas que ele criava eram semelhantes em orgulho e odiosas de si mesmas. Atheran – agora conhecido como a grande serpente das Femiaren – reinava em meio ao ódio e o orgulho de seus servos mericalhos. Nada escapava dos servos da grande serpente, e mortandade se espalhou pelo lugar, tornando-o pútrido como o sangue negro de Draemoniach.

O orgulho e a paranoia que dominavam a alma do Deus Serpente intentavam sobre seus pensamentos de grandeza em se tornar semelhante aos Atemporais. Atheran, o Deus Serpente, agora para si desejava uma consorte para praticar continuamente prazeres ilícitos aos os olhos do Uno e dos Atemporais. “-Minha irmã que tanto amei a mim deve servir em nova vida comigo em meus domínios.” Dizia o Deus Serpente para si em pensamentos. Em vida, Atheran amava sua irmã Gwinvein em amizade de sangue. Porém o sangue negro do Dragão azul contaminou Atheran, degenerando seu amor por sua irmã e agora o Deus Serpente com ela desejava se deitar para praticar toda sorte de prazeres ilícitos, aborrecendo assim o Uno.

O Deus Serpente, então fazendo uso de seu poder criador degenerado, em um diminuto micosto se transformou. Abandonando seus domínios subterrâneos nos recônditos das Femiaren passou a vagar a Terra dos Carvalhos em busca de Gwinvein, que na casa de seus pais Censores habitava no Malgaroth. Atheran – agora em forma de diminuto micosto – insidiosamente abandonou seus domínios em busca do sangue de Gwinvein–“O sangue é vida e dele devemos beber para obter a vida em abundância”, dizia o pequeno micosto – a essência pervertida de Atheran assim era – enquanto atravessava em insidioso voo o Makalabeth. Após meses perambulando a Terra dos Carvalhos, o pequeno micosto finalmente avistou os limites das terras dos Vilca.

As grandes pilastras do Leste que sustentavam os estandartes coloridos do povo das tendas em imponência surgiram na pequena visão de Atheran. “-Ah, minha irmã Gwinvein! Quão bela é sua carne e seu amor por mim! Incontáveis noites que acalmaste minhas angústias antes das célebres caçadas às estranhas criaturas que assaltavam nosso povo me fizeram te amar mais e mais… e agora como Deus retorno a ti para te também fazer Deus e assim juntos reinarmos nos domínios que com minha força construí!”. Era esse o pensamento degenerado de Atheran.

de748a82b4ba50ce71198e2a23a0f6feArte: Tony Romando

Na terceira noite do quinto mês após a queda de Atheran, estava Gwinvein em febres deitada nos seus aposentos. Sim, a fidalga ardia em febres por conta de suas regras volumosas que sempre a impediram de viajar para conhecer a Terra dos Carvalhos que tanto amava em canção e prosa dos bardos contadores de seu povo. Após a partida de seu irmão Atheran, Gwinvein havia caído em tristeza e seu lamento podia ser ouvido pelos salões da casa dos Censores em forma de canção ao som de delicadas notas musicais produzidas por sua Kapele. O lamento de Gwinvein – como ficou conhecido pelos antigos – assim foi registrado, no Livro dos Dias, do qual esse relato faz parte:

“Eles verdadeiramente mentem, dizendo monstruosos absurdos…

Sobre o que aconteceu naquele triste dia,

Em que o amado fidalgo, o campeão que nos defendia de todo perigo,

Pela lança na testa caiu, e sua vida não mais restou!

Ardiloso Miletahal, que fama buscava injustamente ganhar

E que com maldoso golpe desferido fez o nobre Atheran tombar!

Nunca o príncipe dos Vilca foi derrotado em vida, pois sua queda foi fruto de manobra ardilosa

Daquele que seu lugar intentava tomar!”

Gwinvein assim vinha cantando ao som de sua Kapele à cada viração do dia desde a queda de seu irmão Atheran. Quando o micosto diminuto em seus aposentos chegou, ouviu o triste lamento de Gwinvein em sua voz chorosa e a alegria tomou a essência de Atheran. O sangue negro de Draemoniach que da essência do micosto fazia parte agora se avolumava em seu corpo. E o micosto em júbilo se apressou para encontrar sua irmã. Gwinvein nua estava deitada em sua cama, e o micosto languidamente repousou em suas cavidades. “- No sangue há vida, e da vida vem a criação.” Disse o pequeno micosto. E o micosto bebeu o sangue de Gwinvein enquanto a fidalga – entorpecida pela tristeza – lamentava a partida de Atheran.

frostbite_mosquito_by_rpowell77-d8apf18

O pequeno micosto se alegrou tamanhamente enquanto o sangue de Gwinvein bebia e expeliu sua semente sobre o sangue de suas regras. E o micosto assim bebeu o sangue de Gwinvein misturado à sua própria semente. A perversão do micosto se fez mal aos olhos dos Atemporais, e Orath sentiu o cheiro de imundície enquanto em Bel deitado estava em seus Jardins. A esse respeito o povo oracular de Mithmard tem dito que Orath instantaneamente deu um grande salto (e de pé) – deu dois passos para frente e um para trás em sinal de desaprovação. “-Mal cheiro de sangue ruim se fez em minhas narinas. Micosto amaldiçoado amaldiçoou sua irmã. Isso certo não está!” Disse o Atemporal dos prazeres lícitos. “- Morram ambos para meu irmão Fyr escravizar!”

Assim, a semente do micosto passou a corroer a filha dos Censores de dia e de noite. Gwinvein então a cada dia definhava, e a doença se instalou sobre seu corpo, corroendo lentamente suas entranhas e logo grande fluxo de sangue descia de suas cavidades. Sua pele agora possuía feridas e seu rosto (outrora belo) agora deformado estava por conta delas. A tristeza abateu sua essência e a fidalga dos Vilca já não mais tocava sua Kapele e nem cantava mais suas canções. A vergonha das feridas a fez usar ataduras brancas para escondê-las, mas o cheiro de sua carne apodrecida contaminava seus aposentos. O micosto (que agora habitava seus aposentos) se regozijava em ver Gwinvein de tal modo, pois sabia que logo sua essência estaria em seus domínios (nas Femiaren) misturada ao seu sangue negro (proveniente do Dragão caído) e sua semente (misturada ao sangue de Gwinvein).

Enfim, grande choro se levantou na terra dos Vilca, pois a princesa Gwinvein expirou à maldição do sangue ruim proferida por Orath e ela foi levada para junto de seus ancestrais em cinza para os pés das pilastras do ajuntamento dos Vilca. Assim, Gwinvein cumpriu o ciclo dos homens e sua essência rumou para o Rio Primordial, porém a maldição de Orath a impediu de se lavar no Acherontis e Gwinvein ficou a vagar pelos recônditos da Terra dos Carvalhos até se encontrar com o pequeno micosto. Assim, Atheran se encontrou com Gwinvein e o Deus degenerado tomou sua forma de serpente e disse:

“- Finalmente te reencontro, minha irmã! Agora que cumpristes teu ciclo te recriarei para seres minha consorte e assim juntos reinemos na fortaleza que preparei para nós! Pois de mim fiz Deus e agora te farei também semelhante a mim em esplendor e grande glória!”

Ao se deparar com a aparência sórdida de Atheran, a essência de Gwinvein emudeceu em pavor. O Deus Serpente então de seus longos dedos de ferro gotejou o sangue de Gwinvein misturado à sua semente sobre a sua essência. “-Serás recriada para junto a mim estendemos meus domínios por toda a Terra dos Carvalhos, e por fim o prazer que não te foi dado em vida agora estará presente em ti continuamente – pois eu – o Deus Serpente me comprometo em assim fazer.”

A feitiçaria do Deus Serpente fez assim ressurgir Gwinvein. O poder degenerado de Atheran recriou um corpo para sua irmã. Porem, Gwinvein agora já não era bela como outrora fora. Suas feições eram angulosas e havia enormidade em sua aparência. Seu olhar – outrora doce e acalentador – agora era soturno e se agravava por conta de sua testa agora alta e grades olhos negros que se misturavam com as mechas de seus grandes cabelos em forma de fumaça cinzenta. Atheran e Gwinvein (agora Deuses degenerados) de mãos dadas rumaram para seus domínios no interior das Femiaren. É dito pelos antigos que continuamente podia se ouvir os gemidos estridentes de Gwinvein obtendo contínuo prazer de seu irmão Atheran ecoando pelas cavernas das grandes montanhas. Assim, O Deus Serpente e sua consorte Gwinvein assumiram os domínios subterrâneos de Acheron e passaram a aborrecer Fyr e O Uno por disseminar a corrupção nos recônditos da Terra dos Carvalhos.