As Crônicas de Acheron é uma série de fantasia publicada toda quarta-feira no Mapingua Nerd.
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É noite calma e úmida de inverno na Floresta Escura. Silenciosa, não se pode perceber um ruído sequer no ar sufocante que a envolve, a não ser o fustigante farfalhar das poucas folhas secas que adornam as velhas árvores. Os poucos animais que ainda fazem dela sua morada não se atrevem a perambular à noite por suas trilhas, pois os tentáculos do Caos em movimento espreitam incautos por todas as partes conhecidas do lugar tal qual sentinelas sagazes, tragando vorazmente qualquer traço de vida à sua frente. O ar – rarefeito pela maldade do Caos em movimento disseminado pela região – transformou a vida dali num tormento agonizante e os poucos seres sobreviventes tornaram-se perversos e inimigos de si.

A dada hora, o silêncio mortificante do lugar se dissipa subitamente e todos os seus habitantes ouvem aterrorizados uma prece proferida por uma voz grave e seca, ecoando das mais profundas entranhas do solo recoberto de neve, proferindo palavras ocultas aos que não tem conhecimento da língua maligna…

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“Vai! Voa pela noite e procura a quem devorar, criatura lúgubre e soturna. Sedenta por almas infectas pela maldade irremediável, sacia teu infinito e maldito desejo despedaçando os corpos das vítimas com tuas garras cortantes como cutelos novos e teus dentes afiados feito navalhas. Faze-as desmaiar de horror com teu pernicioso olhar e segue teu odioso caminho sem som, ligeira e mortal, instituindo o mais profundo terror na mente da tua caça, provocando a paranoia e o desequilíbrio. Anda, avatar da destruição! Convoca tua serva tentacular Loucura, reúne-a junto a ti para semearem a discórdia, a malevolência, a concupiscência. Segue intrépida pelos ares noturnos para destruir os ladrões, as prostitutas e os assassinos envolvendo-os com tuas escamosas asas. Visita furtivamente cada casa, cada lugar habitado desse lugar miserável e não descansa até dizimar a todos os que merecem… até cada um obter seu galardão. Leva, mensageira da desgraça, os ecos da execução do Caos, e cuida para que eles compreendam os motivos, as razões. Faze-os sofrer profundamente com dor lancinante, e a cada segundo de seus miseráveis últimos instantes tortura-os lentamente com toda sorte de perversidade inimaginável. Mata-os… estripa-os! Dissolve-os em corpos disformes e carrega-os em pedaços para o teu horrendo reduto, exibindo-os como oferenda aos pés do trono infernal de teu Senhor e espera tua redenção. Realiza tua singular tarefa sem falhas e serás bem recompensada com plena justificação por tais atos, e os tentáculos do Caos em movimento não te alcançarão!”

Então, num terrível vislumbre surge a visão dele. Vê-se montes de crânios descarnados e secos ao redor de seu grande trono de ouro coberto de diamantes. Corpos esfacelados e pútridos estão aos seus pés, lado a lado de prostitutas adornadas com linho raro e seda, que gemem por suas vidas num clamor histérico e desesperado. O céu é cortado por trovões brancos e se tornou vermelho como sangue. Sente-se o odor de um enxofre negro sendo expelido pelas rachaduras que surgem na terra desolada que abriga esse momento

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A floresta está em tal ebulição de desordem que os que assistem a cena gritam para serem consumidos rapidamente. Sentado com imponência está ele, o Caos, vestido com uma armadura reluzente de metal e armado com duas espadas banhadas de sangue lado a lado de seu trono, encravadas no coração de dois bois. Seu olhar tétrico reflete uma peculiar angústia e seu rosto está desfigurado pelo desespero da culpa de muitas vidas ceifadas ao longo de intermináveis séculos. Em sua cabeça observa-se três diademas de prata com dizeres blasfemos e inomináveis. Aguarda os sacrifícios, impaciente, repousando uma mão em seu queixo e uma em seu colo, sabendo que nesta noite, o vinho do sangue de mais desgarrados será a bebida de sua insaciável sede por desolação e sofrimento.

Os muitos tentáculos em constante movimento da Loucura que emana de suas costas se alastram mais e mais, destruindo toda forma de vida conhecida da Floresta Escura…