Este post não contém spoilers.
O novo filme do cineasta canadense Denis Villeneuve chegou em novembro aos cinemas brasileiros e pegou todos de surpresa. A adaptação do conto de Ted Chiang, chamado História da Sua Vida, trouxe para as telonas conceitos científicos muito bem desenvolvidos e o drama que a talentosíssima Amy Adams apresenta muito bem. Bastante diferente dos tiros e explosões que estamos acostumados nos blockbusters.
A grande problemática do filme é de como estabelecer uma comunicação com os visitantes do espaço. Os heptapodes fazem ruídos incompreensíveis, e na tentativa de se comunicar com eles a personagem de Amy Adams, Louise Banks, descobre que sua linguagem escrita é circular e que não parece progredir de causa para efeito. Para os visitantes, o tempo não tem uma direção.
Isso não é tão estranho: na Terra, algumas culturas concebem o tempo de maneiras diferentes umas das outras. As nações que tem o mandarim como língua nativa pensam na passagem de tempo como algo que corre de cima para baixo, diferente de nós, ocidentais, que pensamos no tempo correndo da esquerda para a direita.
Existe uma tribo chamada Yupno, localizada em Papua Nova Guiné, que concebe o tempo de maneira topográfica. Isso mesmo. Rafael Núñez, da Universidade da Califórnia, em San Diego, viajou com sua equipe de pesquisadores até o vilarejo onde vive a tribo para entender isso melhor.
Núñez e seus colegas notaram que os nativos da tribo faziam gestos espontâneos ao falar sobre o passado, o presente e o futuro. Eles filmaram e analisaram os gestos e descobriram que para os Yupno o passado é sempre em declive, na direção da foz do rio local. O futuro, entretanto, é em aclive, em direção a fonte do rio.
Isso era verdade independentemente da direção que eles estavam enfrentando. Por exemplo, se eles estivessem num declive quando falavam sobre o futuro, gesticulariam para trás, acima da inclinação. Mas se estivessem subindo uma colina, por exemplo, eles apontariam para frente.
Este é o conceito que dá base à hipótese Sapir-Whorf, que sustenta que a língua molda a maneira como pensamos. Na década de 1940, Edward Sapir, antropólogo especializado nas associações entre língua e cultura, e Benjamin Whorf, formado em engenharia química, mas que se fascinou pela linguística a tempo de mudar sua história, propuseram que a estrutura de uma língua determina, ou pelo menos influencia, como percebemos e experimentamos o mundo. A teoria tem sido controversa, mas agora há algum apoio para ela.
Por exemplo, existem duas palavras em russo para diferentes tonalidades de azul, e pessoas fluentes em russo são mais rápidas em diferenciar os tons do que os falantes de inglês. Isso seria um indício de que as palavras podem preparar partes do cérebro para funcionar melhor.
Alguns defensores da relatividade linguística, que é outro nome para a hipótese Sapir-Whorf, pensam que os benefícios cognitivos da linguagem ajudaram a estimular sua evolução. Isso é relevante para o filme, pois o destino da humanidade, e provavelmente dos alienígenas, depende da nossa compreensão da língua destes.
O roteiro do filme é baseado nessa ideia. Se você aprende uma nova língua, seu cérebro dá um reboot. O cérebro de um ser humano bilíngue funciona bem diferente de uma pessoa que fala uma única língua. No longa, vemos o cérebro de Banks sendo rebootado num extremo absurdo.
O curioso argumento linguístico recebe uma edição sensacional, com um enredo surpreendente e um final genial. Se você já assistiu o filme, dá uma olhada no vídeo que eu gravei dando a minha opinião sobre A Chegada.
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