Produções visuais sobre super-heróis já devem ter te saturado. Já faz mais de uma década que o gênero dominou o mercado e não cansa de mostrar cenas heroicas e de extrema honra, afinal de contas isso é ser um super herói. No entanto, embarcando no hype de produções de heróis e subvertendo o gênero, mostrando um lado negativo desses salvadores heroicos, The Boys surge como um novo suspiro.
Renovar o gênero de super heróis não é novidade alguma para quem acompanha cultura pop, tendo em vista que no fim da década de 1980, Alan Moore o fez de forma magistral em Watchmen. Claro, The Boys está longe de ser Watchmen e Eric Kripke, showrunner da série, está longe de ser Alan Moore. Ainda assim, a série já deixa seu legado vivo na cultura pop.
Como se toda similaridade não fosse o bastante, The Boys foi lançada primeiro em quadrinhos, com roteiro de Garth Ennis. No Brasil, os volumes dos quadrinhos são publicados pela editora Devir, com o último volume previsto ainda para 2020, mas a conversa de hoje é sobre a série.
Os sete
Em um mundo onde heróis existem e se tornam pessoas públicas, o sonho de qualquer pessoa que nasce com poderes é entrar para Os Sete, o grupo dos maiores heróis do universo da série.
Os Sete é o principal grupo de heróis de The Boys, que se encarregam de cuidar da população, salvar vidas inocentes e sempre fazer o que é justo para honrar o seu manto de herói, desde que estejam sendo filmados para ganhar boa publicidade e bastante dinheiro com isso.
Os atos heroicos dos Sete nada mais são que uma farsa criada pela empresa Vought Internacional para lucrar com isso. Claro, os heróis possuem poderes, mas não agem por bondade. Ao invés disso, são empregados da empresa milionária e são tratados como celebridades. Os heróis agem como uma mercadoria e suas imagens são usadas em produtos, reality shows, filmes e comerciais.
Se Os Sete apenas agissem como celebridades, eles não seriam nada preocupantes. Porém, com grandes poderes vêm grandes responsabilidades, e se você retira a parte das responsabilidades, sobra apenas poderes para você usar das mais variadas formas que você bem entender para se beneficiar, e é isso que eles fazem.
O grupo de heróis, com exceção da Starlight, age das formas mais erradas e antiéticas possível, e pelo fato de serem heróis, não são penalizados pelos seus atos, pois possuem toda uma equipe de marketing por trás apagando e suavizando toda ação dos Sete.
Entre os atos dos heróis, o assassinato de inocentes é algo comum, que passa despercebido por muitos, mas não por todos.
A rapaziada
Um grupo pouco funcional em que cada membro presenciou atos trágicos realizados pelos heróis ao terem pessoas que se importavam tiradas de suas vidas.
Com a intenção de expor ao resto do mundo os atos dos Sete, os ‘The Boys’ são o grupo que tenta lutar contra os heróis. E não, eles não possuem poder algum.
Na primeira temporada não é revelado muito sobre a origem do grupo, apenas que os membros não possuem uma confiança mútua. É de se esperar que desse jeito, além da falta de poder, o grupo não possua chance alguma de enfrentar os heróis e lidar com isso, mas eles conseguem, e quando estão juntos causam estragos aos heróis que chegam a ser fatais.
Inspirados não só pela vingança, mas também pela vontade de fazer com que Os Sete não matem mais pessoas, os The Boys conseguem descobrir um segredo sobre a origem dos poderes dos heróis que nem os próprios heróis sabiam, e isso causa alguns jogos políticos bem interessantes na série.
É fácil ver filmes e séries que tratam de anti-heróis ou até mesmo do lado dos vilões, mas uma série focada em heróis sendo apenas grandes figuras de extrema irresponsabilidade e sem história de redenção, é uma coisa boa de acompanhar.
O gênero de heróis vem se renovando com The Boys para alcançar um público adulto maior de 18 anos, afinal heróis não são somente coisa para criança. Ou são?
De volta ao Alan Moore
Em uma recente entrevista ao Deadline, Alan Moore disse que “Muitos anos atrás, eu disse que achava realmente um sinal preocupante que centenas de milhares de adultos estavam fazendo filas para assistir personagens que foram criados 50 anos atrás para entreter garotos de 12 anos de idade. Isso pareceu indicar algum desejo de escapatória das complexidades do mundo moderno e voltar para uma nostalgia de infância. Isso parecia perigoso, era uma infantilização da população.”.
A afirmação que heróis são feitos somente para crianças é realmente algo a ser debatido, mas na mesma entrevista, Alan Moore levanta outro ponto interessantíssimo ao dizer: “Isso pode ser uma coincidência, mas em 2016 quando a América elegeu um “nazista” e o Reino Unido votou para sair da União Europeia, 6 dos 12 filmes de maior bilheteria eram de super heróis.”. E uma análise parecida com essa, The Boys conseguiu fazer muito bem.
Em vários aspectos, a série mostra que a população, procura nos heróis o reflexo de um salvador cristão, como se esperassem ter um Deus entre eles, mas apenas recebem um falso Messias. E nem percebem isso.
Não confie em quem ama uma bandeira acima de tudo
Em uma cena da primeira temporada, o personagem Capitão Pátria disse que decidiu que sua capa fosse a bandeira dos Estados Unidos da América, pois sabia que desse jeito conseguiria passar a falsa impressão de que aquela pessoa estava interessada em fazer de tudo para salvar o seu país ao invés de apenas se importar consigo mesmo, pois seu interesse era dar o melhor para a população e não para ele mesmo.
The Boys é um prato cheio que serve diversos debates e alimenta muitas interpretações. A interpretação que mais fiz durante as duas temporadas da série, foi o paralelo de como a série pode mostrar muito bem como um político pode se aproveitar de determinados grupos para se eleger, mesmo que suas ideias sejam insanas.
O Capitão Pátria talvez seja a parte mais interessante em The Boys e o que faz boa parte da trama acontecer. Com seu discurso sensacionalista e de cunho nacionalista, Capitão Pátria, que também aproveita da fé de cristãos falando que Deus é superior a tudo, cria uma narrativa na qual consegue cada vez mais seguidores para, além de inflar seu ego, conseguir o apoio que necessita para se tornar um ícone local.
A vontade de receber o apoio de sua nação é tão grande, que quando perguntado se o novo slogan de uma campanha deveria ser “Salvando o Mundo” ou “Salvando a América”, Capitão Pátria opta pelo segundo, afinal salvar a sua nação é a maior grandeza que ele pode fazer aos olhos de Deus. E é exatamente isso que ele deseja que seus seguidores acreditem.
A série flerta com momentos no qual políticos usaram as mesmas estratégias usadas pelo Capitão Pátria para ganhar o apoio de quem pensa igual a eles, mas não possuem o poder para comover e multidões.
Políticos liberais se unem carregando a bandeira nacionalista e juram não serem ícones fascistas. Em The Boys isso é mostrando de forma nada sútil quando o Capitão Pátria, erguendo a bandeira dos Estados Unidos, beija uma nazista na boca.
The Boys certamente embarca no hype de adaptações de quadrinhos para as telinhas e telonas, e nisso chegou no momento certo. Infelizmente, muito do que é mostrado em The Boys pode ser visto na realidade de muitas pessoas se elas olharem pela janela da sala, e esse hype, quem dera, poderia nunca mais se repetir.
Parecido com o que é defendido pelo Alan Moore, em The Boys, os heróis literalmente fazem a cabeça das pessoas para que os sigam. Como é mostrado em um episódio da segunda temporada, onde um jovem, ao assistir discursos de ódio de uma heroína na internet, decide matar um imigrante por o achar uma ameaça.
De uma forma ou de outra, The Boys possui altos e baixos, consegue garantir um bom entretenimento e diversas reflexões. Fãs do Bolsonaro também vão poder assistir a série e se divertir com ela, no entanto não é de se esperar que a entendam.
Boas eleições.