Olá, caros leitores! Você, que sempre está por aqui lendo nossas matérias, com toda certeza já leu algo sobre a produção de quadrinhos do Norte do país. A produção nacional tem aumentado significativamente, mas… e aqui? Estamos conseguindo acompanhar esse ritmo? As obras dos nossos artistas chegam nos leitores de fora? Vamos conversar um pouco sobre os quadrinhos do Norte.
Bom, você que já é consumidor de quadrinhos nacionais sabe muito bem que, há mais ou menos 10 anos, o país vem experimentando um novo boom na produção de artistas brasileiros. Entre os motivos para isso estão a criação da Comic Con Experience, o sucesso do selo de graphics da Maurício de Sousa Produções, que trouxe à luz do mercado uma série de artistas independentes muito talentosos, e o aparecimento do crowdfunding como forma de financiar as publicações independentes. Motivos não faltam para esta ascensão, mas por enquanto vamos abordar estes pontos.
O Norte, porém, não aproveita da mesma forma este bom momento da produção nacional. Ser quadrinista no Brasil é uma luta diária, mas para quem está no eixo da produção esta luta tem uma perspectiva razoável de “vitória”.
Mesmo com a internet é difícil para um artista nortista alcançar a maior fatia do público de quadrinhos, que se concentra nos estados do Sul e Sudeste. Com pouca visibilidade não há vendas on-line, o que torna os eventos de quadrinhos a melhor saída. O problema é que a maioria dos grandes eventos se concentra onde? Sim, nos estados do Sul e Sudeste.
A CCXP acontece em São Paulo em dezembro. Além da concorrência muito grande (em 2019 foram confirmados mais de 500 artistas no Artist’s Alley) os custos de bancar a mesa num dos eventos mais caros do país são muito elevados. Não esqueçamos que os artistas também precisam pagar passagem, hospedagem, alimentação e os gastos com a produção dos seus quadrinhos. No fim das contas o prejuízo é certo.
Se o artista não consegue estar onde “as coisas acontecem” ele não é visto, nem lido. A chance de ser convidado para uma graphic MSP ou de ser publicado em qualquer editora de pequeno ou médio porte é quase nula. Ou ele paga para ter seu trabalho nas mãos dos leitores e dos editores ou precisa se mudar para São Paulo e tentar uma carreira profissional numa área correlata, podendo se dedicar melhor aos seus projetos independentes e quem sabe ter algum sucesso nas vendas.
O que nos leva a outro ponto: o crowdfunding. Uma parcela considerável de quadrinistas desenvolveu um meio de continuar produzindo e isso inclui a mobilização da sua fanbase para o financiamento via Catarse (uma das maiores plataformas de financiamento coletivo do Brasil) das suas obras.
Infelizmente, o crowdfunding não pegou muito bem ainda por essas bandas. O público que consome quadrinhos não é muito grande e aqueles que compõem a base de leitores dos artistas locais não confiam ou não entendem muito bem como funciona essa modalidade de financiamento. O resultado é que a maioria dos projetos que vão para o Catarse não alcançam a meta.
Há ainda outros problemas como a impressão dos materiais, já que as gráficas locais estão preparadas para atender ao Estado ou as grandes empresas, mas não o pequeno produtor. E como o crowdfunding não é a melhor opção buscam-se outras formas de financiar as produções.
A principal delas é por meio de editais públicos. Nenhuma secretaria de cultura da região possui um edital exclusivo para HQ’s. Até pouco tempo atrás, o principal edital da cidade de Manaus nem tinha “quadrinho” como uma das categorias possíveis e para inscrever uma produção impressa é preciso enviar 50% das páginas prontas, o que já exclui qualquer material que estiver em pré-produção.
Há exceções, claro. Já vi casos que venceram todas estas barreiras, mas só com a combinação rara de muita sorte, talento, contatos e/ou uma viralização nas redes sociais. Para o artista mediano, e até para 90% dos excelentes, isso será sempre um sonho. E tudo porque eles não nasceram no “lugar certo”.
O Pará é, para os outros estados da região, um bom exemplo de que as coisas podem caminhar melhor com muita determinação e paciência. O estado já exportou diversos artistas para o mercado nacional e internacional e muitos já são conhecidos no cenário brasileiro. É o caso de Otoniel Oliveira, Joe Bennet e do mineiro que viveu em Belém, Gidalti Jr. (ganhador do prêmio Jabuti por “Castanha do Pará” em 2017). A cena local se mantém movimentada com a produção de coletivos e a realização de eventos como a “Semana do Quadrinho Nacional“. Mesmo com estes pontos positivos, as condições de produção e venda estão longe de serem adequadas para os quadrinistas paraenses.
Muita gente pode estar achando que estou exagerando ou que não é bem assim. Acontece que, depois de 10 anos conhecendo o cenário local e o nacional, eu já vi bastante coisa e pude analisar bem essas características. Como eu falei antes, todo quadrinista enfrenta dificuldades, mas para o artista nortista os desafios são maiores. Não basta ser MUITO BOM, é preciso contar com o alinhamento dos astros e a vontade dos deuses.