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Revoadas do Uirapuru – Contos na Paris dos Trópicos
Parte 23: A Terceira Realidade
Manaus, 17 de janeiro de 2021
Pararam quando se aproximaram da Sede Wander, apenas a poucos metros de distância do pé de Taperebá que não muito tempo antes os outros três Cavaleiros Helenos foram capturados. Precisavam tomar todo cuidado a partir de agora.
Liam e Júlia tinham a vantagem do elemento surpresa: para todos os efeitos ambos estavam mortos para o pai de Enis e Milena.
Entretanto precisavam tomar cuidado mesmo assim. Ele estava só. E estaria ocupado com Helena e os demais e mesmo que todos os seus inimigos estivessem mortos, ele não seria tão estúpido de deixar sua guarda baixa.
– Júlia, você consegue ver alguma armadilha? – Liam olhava por todo o lugar procurando por qualquer coisa que pudessem surpreendê-los.
Júlia começou a emitir ondas infrassônicas, como uma espécie de radar que ampliou sua visão e revelava tudo que estava escondido de nossos olhos. E assim ela viu bombas e minas de plasma escondidas em todo o gramado.
Na porta da Sede Wander, armadilhas a laser prontas para disparar diante de qualquer pressão no chão ou presença corporal diante das portas.
Dentro da Sede estava pior: Fundos falsos, e paredes com armadilhas de calor estavam prontas para aprisionar e derreter com milhares de feixes de plasma qualquer presença com calor que adentrasse o local.
O Pai de Enis e Milena sabia que todos os seus inimigos estavam mortos e mesmo que restasse alguém, só acessaria a Sede fisicamente. Vivíamos um tempo em que mentes não vagavam mais, para ele os únicos Wanders sobreviventes estavam aprisionados em seus domínios.
Contudo, Júlia não detectou a presença de ninguém na Sede. Deduziu que eles estavam no porão da casa. Protegidos em uma espécie de Bunker.
Liam conhecia bem as estruturas do lugar e sabia como entrar. Mas precisava passar por todas as armadilhas.
Julia começou a caminhar rápido em direção às minas e bombas terrestres quando Liam tentou interrompê-la:
– Você não acha melhor elaborarmos um plano? – Liam estava preocupado.
– NÓS não precisamos de um plano, Liam.
– Mas não podemos revelar nossa localização. Se ele souber que estávamos vivos, perderíamos o elemento surpresa.
– Liam… NÓS não precisamos de um elemento surpresa!
Júlia parou o tempo por alguns segundos e emanou ondas de vácuo da ponta dos seus dedos que, como uma espécie de pequenos buracos negros, iam sugando todas as possíveis ameaças a eles enquanto caminhavam em direção a casa.
– Isso está muito silencioso… – Júlia estava entediada.
– Júlia, talvez fosse melhor rever e… – Liam sentiu que Júlia estava prestes a fazer algo estúpido.
Júlia estava furiosa. Estava cansada de pensar em planos e estratégias. Ela sentia o poder que tinha e estava sem paciência.
Ela então ergueu seus braços para cima e depois os trouxe até a cintura, agachou levemente se concentrando, as palmas de suas mãos estavam abertas e dois grandes vórtices de ar começavam a se formar delas.
– Liam. Preciso lhe falar algo importante. A partir de agora eu entrarei em uma fúria inconsciente. Isso aumentará meus poderes, mas não estarei pensando racionalmente. Nós vamos em direção a eles. E quando encontrá-los, eu faria o que puder para conter o Pai de Enis e Milena e nesse momento você precisa entrar na mente dele. Entendeu?
Liam percebeu que ela já havia pensado nisso há algum tempo. E era de fato a melhor alternativa. Mas Júlia continuou:
– Eu não sei se conseguiremos salvar Helena. Eu não sei se serei forte o suficiente. Eu explodiria metade desse mundo se fosse necessário para trazer nossa amada Helena de volta. Mas não sei se conseguiria. Não conhecemos o pai de Enis e Milena e não sabemos do que ele é capaz. Partiremos por um caminho escuro e incerto. Mas eu garanto que darei minha vida por isso. E eu não espero menos de você.
– E não terás menos de mim. Eu sinto como se já tivesse me sacrificado antes. Vejo isso agora de forma clara e evidente. Como se parte de mim já morreu para salvá-la antes. Eu sinto a dor do sacrifício que nunca fiz em meus sonhos. Eu sinto como nunca senti antes que eu nasci para morrer por Helena. É a única certeza inexorável da minha existência.
Júlia sorriu em lágrimas. Em seguida, num movimento rápido empurrou os vórtices para frente com as mãos causando uma explosão devastadora que levou a Sede inteira a pó, removendo também o chão e a parte superior do porão.
Mas o Pai de Enis e Milena havia feito modificações. Não havia mais o porão, mas sim um caminho para o subterrâneo do local.
O tempo ainda estava parado. Nem um segundo havia passado desde então. Ele seguiram voando pelo corredor em alta velocidade, protegidos pela barreira que Júlia havia criado, seguiam sem acionar armadilhas. Isso aconteceria depois, quando o tempo voltasse a correr normalmente.
Liam notou que não conseguia mais se comunicar com Júlia. Ela estava em fúria e só voltaria ao normal depois que tudo isso acabasse. Eles seguiram até encontrar uma porta maciça de ferro fundido que ela rasgou como se fosse papel alumínio usando outro vórtice, mas esse de vácuo. Comprimindo a porta a uma pequena esfera do tamanho de uma bola de gude.
Ao entrarem na sala, todos estavam deitados em macas de letal, amarrados completamente, um ao lado do outro formando um triangulo com Helena no centro. Helena era uma luz reluzente em uma esfera de meio metro de diâmetro.
O Pai de Enis e Milena estava imóvel em virtude do tempo parado por Júlia. Mas seus olhos mexiam. Ele observava tudo que estava acontecendo. Era como se ele tentasse se libertar e mover-se normalmente como Júlia fazia. E Júlia sentia que ele conseguiria. Era uma questão de instantes para que ele conseguisse quebrar o poder dela.
Liam não podia hesitar. Era agora que entraria na mente do Pai de Enis e Milena. Mas não iria sozinho. Ele usou parte do poder de Júlia para levar Helena consigo. E foi exatamente isso que ele fez.
Estavam numa caverna. Vários inscritos e símbolos indígenas brilhavam em suas paredes. Era uma memória. Eles sabiam. Se olharam e conseguiram ver a projeção corporal de suas mentes. Liam sorriu. Estava feliz em ver Helena. Estava feliz em ver a mulher a qual daria sua vida. Helena também sorriu. Mas logo seus sorrisos sumiram quando sentiram uma presença vindo na direção deles.
Um velho índio com vestes e um cajado que o identificava como pajé caminhava lentamente em direção a eles. Quando chegou a poucos metros, parou.
– Enfim vocês chegaram. – o velho disse com a voz fraca e rouca.
Ele não demonstrava ameaça nenhuma. E isso deixou os dois confusos.
O índio então voltou para a escuridão da caverna. E os dois o seguiram. Pelo escuro sentiam como se passassem dias… meses e anos pelos acontecimentos do tempo. O índio voltou a falar e os acontecimentos relatados em suas palavras eram projetados nas paredes da caverna:
– Em uma outra realidade o Pai de Enis e Milena, Heitor, foi morto por você, Helena – o velho continuou – em busca de Laís, você aprisionou a mente dele no corpo de um louco do Centro Psiquiátrico Eduardo Ribeiro. Ele era apenas um ser humano normal. Era um homem inocente. Mas ele era o único ponto fraco de Laís que enlouqueceu quando descobriu. Ela foi ao futuro e fecundou o corpo de sua hospedeira com uma amostra do sêmen de Heitor. E assim nasceu Enis. Laís continuou em sua época e travou uma batalha épica com o Primeiro o qual ela foi derrotada e obrigou o Primeiro a usar sua força vital para manter este mundo. Enis soube de tudo e foi em busca de vingança. Você nunca desconfiou dele, pois sua mãe era outra. Vocês jamais imaginariam que Enis, que nasceu no futuro, era filho de Heitor. E assim ele se infiltrou na Ordem Wander, mas sua natureza vil foi logo detectada e ele foi expulso, iniciando assim seu plano de vingança. E em uma batalha em 2015, Liam se sacrificou para matar Enis, causando a morte de ambos. E um dia após essa batalha, Milena despertou seus poderes a qual fez voltar no tempo, matando sua mãe e impedindo que ela tivesse nascido. Isso fez com que Heitor nunca conhecesse Laís. Mas ele sentiu que algo estava errado. Sentiu-se incompleto. Como se a linha de sua existência tivesse sido alterada. E não demorou muito para que ele descobrisse o que tinha acontecido. Heitor queria mudar a história. Não queria que a mulher que ele amou em outra realidade tivesse sido morta, ou tão pouco morresse ou perdesse seus filhos. Ele lutou para alterar o destino de sua família. E sabia que a única forma era fechando os pontos de acesso para o passado e futuro, para que os Wanders não pudessem mais vagar para nenhum lugar e mudar isso.
Liam e Helena observavam tudo atentamente. E o velho continuou.
– Mas assim ele condenou seu próprio destino. Entenda: ao fechar os acessos da linha do tempo, ele também não seria capaz de mudar o passado. Ele jamais poderia salvar sua própria família, mas foi uma escolha que ele fez para que vocês não o impedissem. Foi a única alternativa que ele tinha. Mas agora ele viu até onde foi sua vingança cega. No fim ele continuou sem nada. E por isso ele aprisionou Helena e os seus cavaleiros: para que ele pudesse drenar as suas habilidades em um ritual para abrir um único acesso e voltar uma única vez e salvar sua família. Mas vocês apareceram e eu intervi. Eu tenho uma escolha que darei a vocês.
Eles chegaram em uma clareira onde havia uma bifurcação. O velho índio parou e se voltou para os dois.
– Quem é você? E como sabe tudo isso? – Liam estava intrigado.
– Eu sou o guardião do tempo. Um dos três escolhidos do Uirapuru. Tenho vários nomes e vários rostos. E estou aqui para dá-los uma escolha: se seguirem pelo caminho da esquerda, vocês sairão da mente de Heitor, o derrotarão, irão assistir Júlia morrer, irão voltar para seus corpos e seguirão suas vidas a partir de 17 de janeiro de 2021, mantendo suas habilidades mas serão os únicos Wanders existentes. O mundo será salvo e continuará a girar por muito mais tempo.
– E a segunda opção… – Liam o indagou.
– Vocês podem pegar o caminho da direita. Uma terceira realidade será criada. Vocês dois deixarão de existir. Todos os demais voltarão a viver mas perderão seus poderes. Não existirá mais Psiônicos ou Wanders. A família de Heitor será salva, todos viverão suas vidas normalmente em suas respectivas épocas como pessoas normais e o mundo terá seu fim quando chegar a hora.
– É claro que iremos para a esquerda! – Liam se adiantou – O mundo precisa ser salvo e isso está acima de mim, Wanders, Psiônicos ou qualquer outra pessoa.
– Liam… – Helena o segurou pelo braço. – eu estou cansada. Por séculos voltamos no tempo tentando salvar esse mundo e só tivemos dores e sacrifícios. Eu não aguento mais. É como se o mal nunca acabasse. É como se isso nunca tivesse um fim. Estou farta de corrermos atrás de nossas próprias caudas. Eu preciso por um fim nisso.
– Helena!!! como assim??? Você cansou de me dizer que isso está acima de nós. Eu não entendo…- Liam foi interrompido pelo toque de Helena em sua fronte. Ela fez com que a existência de Liam se apagasse, deixando-a sozinha com o velho índio.
– Porque me destes a escolha, Cronos? Se ambos sabemos o que eu iria fazer?
– Eu precisava ver você matar quem um dia a salvou. Eu precisava ver sua real natureza mais uma vez.
– Espero que esteja satisfeito. Porque na próxima vez, levarei você comigo. – Helena disse enquanto ia em direção ao caminho da direita.
– Não se preocupe quanto a isso. Não haverá uma próxima vez. – O velho índio sorriu
– É o que veremos.