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Revoadas do Uirapuru – Contos na Paris dos Trópicos
Parte 15: …If I’m dreaming all my life
Manaus, 25 de novembro de 2015
Acordei com o despertador me lembrando que logo Helena chegaria. E pontualmente ouvi seus passos se aproximarem da sala. Me ajeitei o mais rápido que pude, não queria dar a impressão de que precisasse ser chamada a atenção por coisas tão simples como horários.
– Ótimo! Você já está acordada! Trouxe uma roupa para você. – Helena chegou com uma roupa muito parecida com a minha, mas limpa. – não quis arriscar. – disse enquanto me entregava as roupas. Vesti-me ali mesmo. Não tinha vergonha do meu corpo, muito menos diante de uma outra mulher. Helena sorriu em satisfação.
– E pra onde vamos? – Perguntei enquanto me vestia. Helena terminou de colocar seu relógio caminhando em direção à garagem.
– Vamos para o Santuário Wander.
Ao sair da casa percebi que estava no Residencial Ephygênio Salles, e essa seria a primeira vez na minha vida que andaria de Lexus. É curioso como pessoas ricas transmitem uma impressão de serem confiáveis.
É claro, imagina-se que o bom senso, somado à força de vontade, seja um dos principais motivos para alguém conseguir (e manter) tamanho sucesso. E bom senso está há muito em falta no mercado.
Quanto a mim, tenho uma visão bem diferente de pessoas ricas. Elas podem até terem usado da força de vontade, sorte, bom senso, bla bla bla… mas a um certo ponto a pessoa entende que algumas regras (e leis) podem ser mais flexíveis quando você tem muito dinheiro e muita influência.
E é ai que pessoas muito ricas ficam perigosas. Sempre defendi a tese de que o homem é civilizado porque de outra forma, ele seria punido. É como uma coleira. A internet é um exemplo disso.
Mas eu sempre fui o tipo de pessoa que esperava. Sempre deixei as pessoas mostrarem quem são. Talvez uma ingenuidade inicial permitisse ser provada do contrário. Embora até hoje isso nunca tenha acontecido.
De qualquer forma, prefiro esperar uma evidência concreta das intenções das pessoas em vez de julgá-las por aspectos comuns.
– Eu não nasci rica. Você sabe disso, não é? – Helena quebrou minha linha de pensamento. – mas talvez eu precise mencionar que posso ler sua mente. Na verdade não é algo extremamente difícil.
– Talvez eu devesse me desculpar. Não uso métodos tão ortodoxos para treinar wanders. Eu prefiro deixar que descubram sozinhos. Eu admiro os autodidatas. Sem falar no desenvolvimento pela intuição que acho algo incrível. Eu fui assim. Desenvolvi tudo sozinha.
– Mas voltando a minha riqueza… você acha mesmo que aquela é minha casa, e que aqueles são todos os meus bens e que este… é… o meu corpo?
Fiquei pensando no que ela disse até pararmos no estacionamento do Hospital Pronto Socorro 28 de Agosto.
– Por que paramos no hospital?
– Porque chegamos.
– Aqui é o Santuário Wander? – disse com desdém.
– Sim. O melhor lugar que poderíamos encontrar. Não se atenha as aparências. De qualquer forma, preciso que você saiba sobre um poder que vou utilizar agora.
Voltei minha atenção. Ao que parecia, Helena me ensinaria algo novo.
– Existe uma maneira de passar despercebido pelas pessoas. Não chamaria de invisibilidade porque continuamos visíveis. A questão é que como conseguimos ver e controlar os fios vitais das pessoas sabemos que todos esses fios de cada ser humano estão conectados entre si. E sabendo isso, é fácil manipulá-los de uma forma que eles “evitem” te ver. Como se você desaparecesse do olho da mente deles. Mas chega desse papo chato. Venha! Vou te mostrar!
Andamos e comecei a perceber, como ondas supostamente invisíveis emanando de Helena e fazendo com que as pessoas evitassem ela. Um senhor que cruzaria nosso caminho parou e lembrou que havia esquecido um exame no carro e voltou para buscar.
Uma moça com uma criança no colo que estava no caminho se virou para buscar o colírio que iria passar na filha e se distraiu revirando a bolsa.
Era como uma dança. Uma sequencia coordenada de ações alheias faziam com que todos evitassem nos ver.
Entramos pelo corredor da emergência e dobramos na primeira sala à direita. Um ortopedista tinha acabado de sair para ver um paciente. Estávamos sozinhas na sala. Ela fechou a porta. Seguiu para a parece oposta à porta e encontrou um ponto na parede que parecia ser ativado por sua digital.
– Modernidade… – Helena disse como quem ironicamente parecia se divertir.
Abriu-se uma passagem e um corredor iluminado com luz indireta. Alguns metros depois chegamos num grande salão onde havia várias camas e pessoas deitadas nelas. O teto era uma espécie de cúpula barroca. Como se estivesse no porão de uma igreja renascentista.
O salão era circular e devia ter seus vinte e cinco metros de diâmetro e mais de cinquenta camas, todas ocupadas. Percebi pelas escadarias laterais que havia outros andares inferiores. Três pessoas monitoravam tudo, vestiam branco e pareciam ser… Translúcidas. Como fantasmas… mas aquele lugar não deixava de ser uma espécie de enfermaria.
Eu podia ver os fios invisíveis ligando a mente de cada uma dessas pessoas e conectando ao teto da cúpula em uma grande esfera cintilante. E por sua luz, várias imagens corriam a cada segundo.
– O que essas pessoas… elas estão… vagando? – estava realmente intrigada por essas pessoas escolherem esse lugar pra fazer isso se você pode fazer em sua casa.
– Como falei anteriormente, estávamos em guerra. E muitos preferiam o santuário. A grande característica desse lugar é que você não pode morrer enquanto vaga. Embora existam certas limitações… você também não pode controlar o hospedeiro. Usamos mais no intuito de manter nossas pesquisas e para registros. No fim acaba sendo um recurso para acumularmos fatos e informações históricas.
– Mas você disse que só havia um Wander por vez. E todas essas pessoas?
– Eu disse que apenas um por vez tivesse o poder de ALTERAR o passado. Essas pessoas que você pode ver não alteram nada. São meros expectadores, pesquisadores. Sem falar que eles estão acamados há mais de cinquenta anos. você devia ter visto o trabalho que tivemos de movermos todos eles pra cá. Mas enfim… isso não é importante. Alguma outra dúvida ou posso continuar a fazer o que vim fazer aqui? – respondeu impaciente.
Após perceber meu silêncio. Ela seguiu em direção a uma das pessoas que estavam deitadas. Era um senhor de seus oitenta anos.
– Ele é um dos primeiros pesquisadores. Quando ele decidiu ser um pesquisador ele tinha apenas oito anos de idade. – Helena falou com tons de orgulho e admiração. – e ele vai nos ajudar a mostrar o paradeiro da pessoa que estamos procurando.
Isso foi algo que realmente me acertou em cheio. Como alguém poderia dedicar sua vida inteira a algo que o restrinja em uma cama? Fico pensando em tudo que ele deixou de viver… de sorrir, de chorar… de se desesperar… de explodir em alegria.
Todas as oportunidades da vida que ele perdeu. As emoções de se apaixonar por alguém. A incrível sensação de ser correspondido. Ou mesmo a dor de ser dispensado. Tudo isso são experiências que nos fazem crescer.
Ou até mesmo coisas simples como comer uma comida maravilhosa, ou apreciar uma vista por horas deixando seus pensamentos livres… ou ainda ver paisagens diferentes, conhecer lugares novos, conversar com pessoas diferentes, aprender novos pontos de vista…
Eu consigo pensar em tanta coisa que esse homem perdeu que poderia falar por dias. Ate entendo que ele possa ter vivido isso no corpo de outras pessoas. Mas não é a mesma coisa. Não pode ser a mesma coisa. Eu jamais me comprometeria a tanto…
– Eu ouvi isso! – Helena disse disfarçando um sorriso. Seu bom humor parecia ter voltado.
Ela estava com a mão sobre a testa do senhor, fechou os olhos e começava a se concentrar. Alguns segundos depois ela abriu os olhos. Ela havia descoberto seja já quem estava atrás.
Chegamos em uma casa ao lado de uma estação elétrica que ficava no Tarumã próximo ao aeroporto. Era um lugar ermo como em qualquer parte do Tarumã exceto alguns forrós em determinadas horas de sábado.
A casa era muito simples. Tinha aquele vermelhão no chão que já me sujei muito brincando nele na infância. As paredes de alvenaria pareciam desgastadas. A olhos desatentos parecia uma casa abandonada.
Mas havia traços de vida ali. Parecia um abandono forjado. Tudo havia sido colocado estrategicamente para dar a impressão de que não havia ninguém morando ali. Jornais velhos, garrafas encardidas, móveis acabados, pintura descascada…
– Venha, Milena… ELA não está aí! – Helena disse enquanto caminhava a passos rápidos para a floresta que havia atrás da casa.
Ao dar os primeiros passos adentro ela parou. Disse algumas palavras que presumi serem indígenas e de alguma forma que parecia ser loucura da minha cabeça, eu vi o vento balançar os galhos das árvores com uma maneira da floresta permitir nossa entrada.
Então uma trilha se abriu em meio a mata fechada. Caminhamos assim por alguns minutos até chegarmos a uma casa de vidro. Tinha dois andares e um sótão. E todas as paredes e telhado eram de vidro. Havia uma estufa de vidro nos fundos também. Era uma casa enorme. Uma mansão.
– Eu não acredito que você me trouxe na casa do Amazonino! – respondi com indignação.
– Não seja idiota! Essa casa não tem nada a ver com política. E você devia me agradecer por te trazer em um lugar tão puro e majestoso. – Helena me repreendeu pela primeira vez. Pelo visto alguém é seria demais pra tolerar qualquer tipo de brincadeira.
Helena foi direto na estufa. Abriu a porta. A estufa era enorme. Maior que muita casa que já estive e havia mais tipos de plantas que todos os livros que existiam na Saraiva do Shopping Manauara. Ok. Exagerei um pouco. Mas tinha uma infinidade.
Por dentro parecia um labirinto. Não tinha corredor. Tínhamos que desviar dos vasos e mudas que não pareciam ter qualquer organização de espaço.
Estava distraída com os tipos de plantas quando percebi uma pequena muda de uma espécie de cacto ser levantada telecineticamente e indo em direção ao fundo da estufa. E conforme seguíamos para o fundo vimos mais vasos e plantas se moverem aleatoriamente.
Quando afastamos uma palmeira, pudemos ver quem Helena procurava: uma mulher extremamente branca de cabelos azuis compridos que flutuava como se sofresse estática, todo arrepiado. Ela estava em uma espécie de transe e em seus olhos só via a sua esclera.
Ela manipulava as plantas distraidamente e alheia a nossa presença. Helena então se aproximou.
– Quanto tempo, hein Julia! Lembra de mim? Sou eu… Helena!
No instante seguinte a moça de cabelos azuis teve sua pele alva tomada por uma vermelhidão. Ela soltou um grito e uma explosão sônica destruiu tudo ao nosso redor.