Caros leitores, hoje o papo é diferente. Li a HQ “Grama“, da autora Keum Suk Gendry-Kim, publicada aqui no Brasil pela editora Pipoca e Nanquim e trago a vocês uma resenha sobre a obra. Vamos lá!

Sinopse: Grama é uma poderosa graphic novel antiguerra que narra a história real da sul-coreana Ok-sun Lee, vendida pela própria família na infância e forçada à escravidão sexual pelo Exército Imperial Japonês. Ela é uma das várias mulheres que foram capturadas para servir aos soldados nas chamadas “casas de conforto” espalhadas pela China e por territórios ocupados pelo Japão durante a Segunda Guerra Sino-Japonesa e a Segunda Guerra Mundial, em um dos episódios mais vergonhosos do passado da humanidade. 

Imagine que você vive na miséria. Ter uma refeição decente todos os dias é um luxo e seu país está em guerra. Como se não pudesse piorar, seus pais decidem vender você para outra família, pois, assim, terão alguma chance de sobreviver com seus irmãos mais novos. É assim que começam os infortúnios na vida de Ok-sun Lee.

A ocupação japonesa na Coreia se inicia a partir do colapso do Império Coreano em 1910 e só termina com a derrota do Japão, após o fim da Segunda Guerra Mundial. Durante esse período o Japão impôs um regime de terror sob os coreanos, com campos de trabalho, supressão da cultura, prostituição forçada, entre outras violações de liberdades individuais e coletivas.

Keum Suk Gendry-Kim nos apresenta a vovó Ok-sun Lee e sua história como uma das mulheres sequestradas pelo Exército Imperial Japonês durante a Segunda Guerra Mundial e a Segunda Guerra Sino-japonesa. Ok-sun foi vendida para os donos de um restaurante e, algum tempo depois, sequestrada por homens que a levaram para uma “casa de conforto”, onde foi escravizada sexualmente, obrigada a atender os soldados japoneses. Ela tinha apenas 15 anos.

É impossível não se emocionar com os absurdos que acontecem com Ok-sun e com as outras crianças. Quando ainda morava com a família ela tinha o desejo de ir à escola e também era dona de uma personalidade desafiadora e inquieta, o que lhe trouxe muitos problemas, além dos que já tinha. Aos poucos somos conquistados pelo sorriso e as piadas da simpática idosa que conta sua história para a autora a partir de entrevistas gravadas.

A narrativa é arrasadora. Não há nada que possa preparar o leitor para “Grama”. Keum Suk tem um traço leve, pinceladas feitas numa dança elegante entre nanquim e a folha em branco. Esse estilo se encaixa perfeitamente na história contada, aplicando uma linguagem tremendamente poética que evoca solidão, tristeza e a miséria do ser humano. Sua capacidade de provocar emoções no leitor com a simplicidade do traço é absurda e, para isso, basta uma série de quadros completamente preenchidos de preto ou páginas duplas de paisagens belas e aterradoras. Aqui é importante dizer que Keum Suk aplica muito bem o “vazio”, o silêncio que também conta, também narra.

Keum Suk se preocupa também em apresentar ao leitor o contexto histórico e os vários aspectos da guerra. Os japoneses foram cruéis até nos detalhes. As meninas das “casas de conforto” não podiam conversar em coreano e recebiam nomes japoneses assim que chegavam. As crianças que tinham sorte de ir à escola precisavam prestar reverência na direção do Palácio Imperial Japonês e eram doutrinadas para receber mais facilmente os costumes dos seus subjugadores.

“Grama” reúne uma história perturbadora e uma contadora com plena capacidade de extrair dali um retrato sensível e cru do que nos faz humanos. Mais do que um quadrinho antiguerra, a obra também mostra como o homem pode ser desprezível quando tem a possibilidade de subjugar e explorar as mulheres. A guerra se torna apenas um pretexto para que esses monstros (bem humanos) do mundo real, liberem seus demônios. O quadrinho é, também, sobre patriarcado e como essa dominação masculina marca para sempre as mulheres. Como disse a própria vovô Ok-sun: “Eles são todos iguais”.

Abandono, perda de identidade, ética, honra. São muitos os temas e todos convergem para a história de Ok-sun. É assustador, revoltante, triste e, acima de tudo, é mais comum do que muitos imaginam.

A edição da Pipoca e Nanquim é impecável. A adaptação do texto e as notas colocadas pontualmente para explicar algumas expressões e/ou conceitos, são bem elaboradas e enriquecem a leitura. O material da impressão é de ótima qualidade e traz, ainda, a capa branca da edição original, com uma sobrecapa macia ao toque e uma ilustração que ganha significado maior após a leitura.

“Grama”, com toda certeza, nasceu para ficar ao lado de grandes obras. Exercitando a futurologia, é possível dizer que a obra figurará em listas de “melhores quadrinhos” e será utilizada incansavelmente como um exemplo de produção que define a nona arte.

Keum Suk Gendry-Kim nos trouxe uma obra espetacular. Se um dia quiser emocionar alguém ou simplesmente mostrar como o ser humano pode ser seu próprio lobo, aqui está a indicação perfeita.

Classificação:

Avaliação: 5 de 5.