Atualmente tem se ouvido e debatido muito em torno da palavra representatividade, mas o que realmente é isso?
O conceito representatividade significa representar os interesses de determinado grupo, classe social ou de um povo, ou seja, representatividade é se olhar e se sentir parte do todo. Falando em representatividade da mulher, isso também significa saber que a mulher pode atuar em diferentes segmentos e ser reconhecida por todos. É ter voz, ser respeitada, é se encontrar como parte atuante e importante de um movimento, sendo reconhecida pelo papel que exerce.
Como nós, mulheres, temos visto a situação hoje? Como a representatividade das mulheres acontece no cenário artístico, publicitário, educacional e em outros meios? Reuni um time de mulheres talentosas que têm deixado sua marca por onde passam para falar: representatividade importa.
Com muito carinho entrevistei essas queridas e ao longo do texto vamos ter um panorama feito por elas sobre a importância da representatividade no meio em que cada uma atua, como elas veem a representatividade e como acham que estão contribuindo e ainda podem contribuir neste processo.
Valéria Romano (@romanotav)
“Como mulheres criativas, temos a missão de desenvolver muito além da representatividade visual nos nossos projetos, mas fortalecer e apoiar todas e todos indivíduos em sua identificação.”
Valéria é UX/UI designer, ilustradora, empreendedora e encontrou no Design a forma de auxiliar os problemas das pessoas de modo que a representatividade seja parte do processo e/ou produto final.
“Como designer trabalhamos com indivíduos, logo trabalhamos também com questões culturais, preconceitos, sociedade. Por exemplo, na área do game design que é uma das áreas que eu cresci observando a falta de representatividade e o preconceito. Os jogos acabam excluindo as garotas ou então colocando elas com uma visão sexual feminina, mas quando pequena eu gostava de jogar com os personagens masculinos, não pelo gênero deles, mas pelo design ser mais descolados, os poderes eram os mais legais, já as meninas usavam biquinis, salto alto e tinham menos habilidades, esse tipo de escolhas foram feitas pelos designers. Quando cresci, percebi o quanto aquilo era “comum” na cultura, o masculino era incrível e mais forte, o feminino era delicado e apelava para o corpo. Atualmente, já percebemos uma mudança visível nessa cultura, isso pode ser impactado pelo designer, que durante o processo pode alterar uma cultura simplesmente por inserir ou alterar elementos sobre algo que uma sociedade não está discutindo, mas que devem ser sim representados. Isso acontece no design gráfico com as publicidades de cerveja que sofreram alterações, pois mulher bebe cerveja sim! Acontece na moda com empresas entrando no estilo no-gender, sapato alto para meninos, terno para meninas. (apesar de que hoje em dia vou em uma loja e ainda tem essa segmentação de que menino gosta de carrinho, caveira e estampas maneiras e meninas gostam de rosa, barbie e coisas delicadas. O que é triste, mas estamos mudando). Eu vejo que temos uma evolução, mas é tão lenta que a gente aplaude quando vê uma empresa, pessoa ou movimento fazendo algo a favor da representatividade, isso deveria ser o comum e não o incomum, distinguir alguém pelo gênero, raça, opção sexual e aparência não deveria existir, infelizmente encontramos uma sociedade onde mulheres ganham menos que homens ou em que os homens ocupam cargos mais altos que as mulheres, como designers temos uma missão de mostrar mais os trabalhos das nossas criativas, das mulheres incríveis que dão um show de criatividade não por causa do gênero delas, mas por causa do talento que elas possuem.”
Atualmente Valéria trabalha em projetos com o objetivo de inclusão de crianças com deficiência com o @ludkids_app, moda sem gênero com a @ur.bana e a favor das Designers com o Design Like a Girl @dlikeagirl que visa a exposição projetos incríveis feito por mulheres criativas.
Andréa Gouvea (@gordeia_)
“A representatividade da mulher gorda em papéis onde não somos ridicularizados é importante para nos livramos dos estigmas.”
Andréa é publicitária, amante da moda plus size e do universo nerd.
“Ser uma mulher gorda feliz em uma sociedade onde o culto ao corpo perfeito é cada vez mais difícil. Quando nos vemos representadas em personagens fortes, independentes, talentosos, habilidosos e não como a amiga engraçada e solteirona nos ajuda a elevar a autoestima e a toda uma sociedade entender que podemos desempenhar qualquer papel, independente da área em que gostamos ou atuamos. A representatividade da mulher gorda em papéis onde não somos ridicularizados é importante para nos livramos do estigma de infelizes, não saudáveis, solitários, carentes, bobos entre outros tantos. Basta apenas nos colocar em papéis onde não fazemos este tipo de personagem. Como publicitária dependendo da área de atuação ainda existe um pré contencioso nas áreas de atendimento para mulheres não padrão (gordas, negras, entre outras). São poucas as agências que quebram este padrão e felizmente nas quais eu trabalhei nunca deixei me definirem pelo meu peso. Os comentários gordofóbicos sempre surgem mas muitos amigos aprenderam comigo e melhoraram muito o comportamento em relação a isso.”
Amanda Monteiro (@amandamntero)
“Precisamos ter mais referências de manas que fazem um bom trabalho, para que elas passem a frente e tenham seu espaço no cenário.”
Amanda é fotógrafa há quase 4 anos e atualmente trabalha com editoriais e lifestyle.
“Acredito que a sensação que todos têm em Manaus é que o mercado é dominado por homens, e realmente é. Já passei pela situação de estar fotografando junto com um grupo de fotógrafos e alguns deles tentaram me rebaixar por eu ser mulher (como se eu soubesse menos por isso) e raramente dão espaços para mulheres, a menos que você seja modelo. A representatividade é necessária, pois precisamos ter mais referências de mulheres que fazem um bom trabalho, para que elas passem a frente e tenham seu espaço no cenário. Uma ideia para começar a melhorar a situação: seria ótimo se nós nos uníssemos, trocássemos ideias para fortificar o nosso próprio trabalho. Projetos de fotografia feminina de todos os tipos produzido por mulheres aqui na terrinha é algo que nunca é visto. Seria incrível para exaltar o que nós fazemos e mostrar que nós existimos e produzimos capturas notáveis. Fora os trabalhos que eu desenvolvo, curto muito fotografar por hobby. Entre esses ensaios que convido a galera para posar, tenho o cuidado de escolher quem eu me identifico como mulher e artista, nunca me encaixei em um padrão como pessoa, e acho que é meu dever expor isso na fotografia também. A experiência que eu mais amei ter foi com a Kerolayne Kemblim, artista visual negra daqui de Manaus. É engraçado como tudo flui quando você se dispõe a capturar a essência de alguém que é da luta como você, é de cor e é mulher. Eu fiz alguns trabalhos com homens, mas nada se compara com a conexão que você tem em um ensaio feminino.”
Deborah Erê (@deborah_ere)
“Nas ruas, todos podemos encontrar beleza, mesmo que só de passagem, sem querer. E assim eu digo que: a rua é noiz!”
Deborah é artista plástica atua no seguimento do graffitis, onde lindamente tem levado sua “Senhora Sereia” por vários lugares embelezando e representando por onde passa.
“Comecei a desenhar e pintar em 2011, quando ingressei em um curso de Artes Visuais, em São Paulo. Até então nunca havia conhecido ninguém desta área. Em 2012, fiz meu primeiro graffiti e me apaixonei por esta possiblidade. Dois meses depois, larguei o curso e permaneci apenas desenhando e ocupando a cidade com lambe-lambes, graffitis e fanzines. Desde lá, me apaixono cada dia mais por esta possibilidade. Foi depois disso que conheci o feminismo, comecei a perceber mais o espaço público, me sentir parte dele, observar quem estava nele, e isso começou a mudar a minha visão em muitos sentidos. Tive vontade de representar as mulheres, ocupar os espaços com as imagens delas, contar histórias… Sobre as mulheres que eu conheço, que sempre estiveram próximas de mim… E que eram muito diferentes das mulheres representadas nas imagens que eu costumava encontrar na televisão, nas passarelas, nos desenhos da Disney, nas revistas, enfim. Essas representações não eram as mulheres que eu via na minha vida. As que eu conhecia pessoalmente eram mulheres lindas, mas tão diferentes umas das outras, cada uma com sua singularidade, seu jeito de sorrir, de prender o cabelo, de cuidar de si e dos outros. E isso foi me inspirando, e ao mesmo tempo fui percebendo o quanto existe um padrão de beleza que nos diz que elas não são lindas. Que existia um jeito certo de ser linda, e que todas as outras que não eram aquilo estavam erradas. E quis falar sobre isso. Com imagens, com graffitis, falar que todas nós somos belas. E fazer de cada uma sereia foi um jeito que encontrei de simbolizar que todas temos nosso poder, nosso mistério, nossa plenitude.”
Carolina de Abreu (@deabreucarol)
“’O que eu desejo ainda não tem nome’, este trecho de um pensamento da escritora Clarice Lispector me faz retomar a ideia de representatividade, sobretudo, no que se refere à busca incessante de estar no mundo enquanto mulher e de vivê-lo em uma eterna resistência e empoderamento. Necessários.”
Carolina é professora de Língua Portuguesa e Literatura, pesquisadora, crítica literária, estudiosa das literaturas de cunho feministas e escritora nas horas vagas.
“Entendo a importância da representatividade das mulheres (mulheres, pois vivenciamos experiências distintas e plurais, e isto precisa ser marcado) no meio em que vivo – acadêmico, educacional e artístico – como forma essencial no processo de trazer à tona o que tem sido feito e escrito por mulheres na literatura, e como tenho mostrado determinadas relações da minha experiência como mulher nas minhas escritas. Vivo, e todas nós vivemos, em uma realidade estritamente machista e misógina, e isto é notável não somente na universidade, mas nas produções literárias. O meu campo de estudo aborda questões de produção literária à margem de um cânone, que chamo de um certo padrão dos clássicos da literatura, pensando e resgatando temáticas não somente feministas, como produções de mulheres escritoras (que muitas sequer conhecemos). A sociedade é representada na literatura, e em resumo, se há machismo e misoginia no meio em que vivemos, haverá na literatura também. Penso esses estudos como forma de engajamento e muito mais que isso como modo de repensar mentalidades e estruturas tão cristalizados no nosso imaginário. Quanto a mim, ao me pensar enquanto mulher que escreve em Manaus, cidade à margem das produções literárias (e isto requer outro debate histórico e social), questiono as pequenas, quase nem conhecidas, produções de mulheres. Como cidade à margem, resistências ocorrem e as produções literárias são plurais e significantes, como o fanzine. Já tive a oportunidade de escrever alguns, como forma artesanal de produção de poemas, longe das grandes editoras. E continuo meu questionamento: a literatura produzida no Amazonas parece que se consolidou no Clube da Madrugada (uma associação de encontros literários por volta da década de 50, essencialmente feita por escritores homens) e lá se estagnou. Pergunto-me: o que haverá de produção no presente momento? E acima de tudo: qual o lugar da mulher escritora no Amazonas? Vamos repensar essas questões e nos motivar a atualizar o cenário literário, pessoal?
Representatividade importa, pois ele além de criar identidades e romper paradigmas passados, ele prepara o caminho para manifestações mais plurais, igualitárias e encoraja mais mulheres a serem protagonistas nesse cenário, pode muda vidas e preparar um caminho para gerações futuras ainda mais capazes de serem e exercerem sua plenitude baseado no respeito, amor, talento e competência, que discussões assim possam permear nossa sociedade sempre afim de torna-la melhor.