Você vai conferir as redes sociais pela manhã e sente que o país tá um caos? Desastres ecológicos, crises financeira e política generalizadas e certas histórias distópicas que parecem cada vez mais críveis? É, você não é o único. Vamos bater um papo especulativo sobre o que será do nosso gibizinho de cada dia nesse país que tem os mais insanos roteiristas.

Já me adianto a responder a pergunta do título: eu não sei! Ter certezas quando se é brasileiro não é algo muito recomendável. Desde o ano passado que alguns dos meus textos por aqui abordam questões delicadas acerca do mercado editorial de quadrinhos brasileiro. Falamos por aqui sobre o impacto da pandemia de covid-19 no mercado de quadrinhos, o avanço do quadrinho digital e também sobre a possível taxação dos livros.

Viver no Brasil é um verdadeiro teste diário para nossa saúde mental. As instabilidades financeiras e sociais, provocadas por sucessivas ingerências do governo federal e de outros agentes do poder público, interferem significativamente nos rumos que o mercado de quadrinhos pode tomar. A prova mais recente disso é o processo de privatização dos Correios que foi iniciado e que deve ser aprovado pelo Congresso, colocando em risco a viabilidade de distribuição de pequenos livreiros e quadrinistas independentes num país de dimensões continentais. E o pior, a privatização não se justifica, uma vez que os Correios registram crescimento de lucro há alguns anos (só em 2020 o lucro foi de R$ 1,53 bilhão de reais)

Além disso, ainda não temos a real dimensão de como anda a crise no mercado editorial que começou lá atrás com as grandes livrarias. A pandemia deixa tudo um pouco nebuloso e sem o retorno à normalidade não sabemos como o mercado vai tentar se reerguer. Para os independentes as únicas opções mais atrativas ainda são os eventos e os projetos de financiamento coletivos.

Infelizmente, ainda não é hora de grandes eventos, então todos teremos que esperar mais um pouco até que seja seguro vender seu quadrinho na CCXP ou no FIQ. Para quem aposta em financiamento coletivo o caminho é árduo e pressupõe algumas qualificações: é preciso entender bem como o jogo funciona e é preciso conhecer (e ter) a sua base de fãs bem estabelecida. Catarse não vira da noite para o dia e você dificilmente vai conseguir 10 mil reais na sua primeira campanha sendo um desconhecido.

De qualquer forma, com a privatização dos Correios e a extinção ou o encarecimento das opções de envio mais acessíveis, ser, exclusivamente, quadrinista independente no Brasil se tornará impossível. A impressão e o envio serão mais caros assim como participar de grande eventos tende a ficar mais caro também. No fim das contas, a produção vai afunilando e um grupo seleto de poucos artistas conseguirá continuar com seus projetos. Estes artistas têm uma boa fanbase, estão majoritariamente no sudeste e gastam um pouco menos quando precisam se deslocar para as grandes feiras.

Apesar deste cenário não ser muito diferente do que temos hoje, sabemos bem que os editais que fomentam a cultura e a garantia de uma forma barata de enviar livros pelo país são ferramentas que ajudam substancialmente o produtor independente. Só assim a produção pode se expandir e melhorar, com descentralização e investimento. Há outras variantes para que essa equação dê certo, mas é imprescindível entender que não faremos tudo sozinhos, e nem devemos: o Estado precisa participar e garantir o direito constitucional de todos à cultura.

O que posso dizer sobre o futuro é que ele se faz no dia a dia, mas também de quatro em quatro anos (e não estou falando das Olímpiadas). Algumas coisas podem não ser fáceis para o quadrinista brasileiro, mas decidir entre mais investimento em cultura ou deixar tudo na mão de empresários não é uma escolha nada difícil.

Até o próximo papo!