Essa é a parte final deste conto, caso não tenha lido a segunda parte clique aqui.
Parte 3: Lágrimas às Margens do Lago da Verdade
Assim que Isabelle subiu em meu cavalo, ela perguntou:
– E qual seria seu nome, nobre cavaleiro? Preciso saber o nome do ser que irá me sequestrar…- Ela disse sorrindo.
– Me chamo Ivan, milady! E apenas meu primeiro nome será informação suficiente.
– Ivan? Engraçado você se chamar Ivan… – Ela falou enquanto o sorriso desaparecia de seu rosto.
– E porque haveria graça? – Demonstro leve preocupação.
– Por nada. Por favor, apenas me leve daqui.
Nunca saberei se foi a ilusão que a encantou, ou se foi o tédio pela mesmice que trazia o desespero que ela vivia dia após dia que a fez vir tão prontamente, sem medos ou incertezas. O fato é que ela me olhava com familiaridade como se já nos conhecêssemos e senti que nossos destinos estavam estranhamente entrelaçados.
Subi também em meu cavalo e partimos. Mas ao sairmos de Fenice, percebi que ela não sorria mais.
– O que houve, milady?
– Nada, milord! É apenas o alívio que sinto por não precisar fingir mais.
Não entendia a que ela se referia. Apenas pude presumir que o fingimento se tratava da relação em sociedade desta era.
Mas tudo estava ocorrendo conforme planejado. Havia sido fácil demais trazê-la comigo. Não imaginaria que sua futilidade fosse tão grande a ponto de confiar em um desconhecido apenas por sua bela aparência.
De qualquer forma, mantive a coerência em minhas palavras incentivando-a a permanecer comigo:
– Se é o que sentes, então sei onde devo levá-la! Sei onde fingimento é algo desnecessário.
Ela me abraçou forte e voltou a sorrir enquanto íamos para a Floresta dos Desesperados.
Nenhuma palavra foi dita durante o trajeto todo. Era possível sentir o vazio que habitava nela. Era evidente que estava com alguém totalmente presa em frivolidades.
Ao nos aproximarmos da floresta, ela falou pela primeira vez desde que saímos de Fenice:
– Esse caminho… Sinto uma estranha familiaridade nele, mesmo que nunca tenha passado aqui antes.
– Você nunca veio aqui?
– Não. Só me era permitido ir aos arredores da cidade. Imagino que nesse momento já devem ter enviado um grupo de soldados atrás de mim.
– Sinto em você uma necessidade enorme de se libertar deles. Se você quiser, posso fazer com que não nos encontrem.
– Por favor! Eu lhe peço, Milord! Não deixem que nos encontrem! Eu não quero voltar! Não agora!
– Não se preocupe, Milady! Eles não nos encontrarão! Não enquanto eu estiver com você.
E assim seguimos cada vez mais próximos da Floresta dos Desesperados e ao chegarmos na entrada da floresta, descemos do cavalo.
– Essa floresta… Eu já ouvi falar dela… É a Floresta dos Desesperados, não é? Todos temem esse lugar! Porque me trouxe até aqui?
– Este é meu lar. Não veja essa floresta com maus olhos. Nem tudo é o que parece.
Nesse momento vi em seus olhos um desespero tão grande de fugir da sua rotina que a faria ir para o pior lugar deste mundo se fosse necessário.
Segurei então em sua mão e caminhamos para dentro da Floresta dos Desesperados.
– Eu sempre admirei paisagens góticas das pinturas que tive a oportunidade de ver. Nunca estive em uma floresta antes e tão pouco em algo tão sombrio e insólito. Mas essa sensação melancólica me traz certo conforto inexplicável. – Isabelle dizia enquanto olhava as árvores secas e a folhagem escurecida das sebes. E ela continuou:
– Eu não sou de sair com estranhos. – ela se voltou para mim – e tão pouco sua beleza foi motivo suficiente para me convencer. Mas eu estou cansada de viver presa. Sempre sob controle. Sob olhares. E passei os últimos anos fazendo qualquer coisa que pudesse para me rebelar contra isso. Mesmo que fossem coisas como as que você presenciou. Não me eximo de culpa. no fundo eu gostava daquilo. Mas talvez fosse porque nada mais me era permitido fazer.
– Nós sempre temos uma escolha. E geralmente fazer o que é certo é o caminho mais difícil. Você apenas escolheu o que era mais fácil.
– Talvez, mas eu…
Fomos interrompidos pelos passos dos soldados que procuravam Isabelle. Ela segurou forte meu braço.
– Não se preocupe. Siga em frente. Eu vou cuidar deles e logo a encontrarei. Apenas vá e não olhe para trás.
Isabelle acenou concordando e partiu sumindo na mata escura.
Ao me avistarem, os cinco cavaleiros partiram em minha direção. Haviam perdido os cavalos na entrada da floresta. Nenhum animal entraria nessa floresta, apenas homens estúpidos ou extremamente determinados.
Não chegaram a se aproximar o suficiente para suas lâminas me alcançarem. Havia erguido galhos cheios de espinhos do chão que seguraram seus pés e subiram até prenderem totalmente os corpos dos cavaleiros.
– Tolos! Ousaram adentrar meus domínios e me ameaçar. Darei a vocês uma morte rápida. Não tenho tempo a perder com vocês.
Os galhos engrossavam e os espinhos ficavam maiores e cobriam mais e mais os corpos dos cavaleiros até que giraram em um movimento rápido rasgando o metal de suas armaduras assim como seus corpos.
Em um instante estavam inertes no chão. E logo as sombras dos animais famintos começavam a aparecer. Hoje não faltaria alimento para suas fomes.
Voltei para a direção em que Isabelle seguiu e comecei a rastreá-la.
Não muito longe dali, Isabelle havia chegado ao Lago da Verdade. Ela ainda não sabia, mas aquele lago era letal para quem o mergulhasse. Nele qualquer um poderia ver a verdade refletida nas mentiras de sua vida e ao mergulhar, teria uma pergunta respondida em troca de sua vida.
Mas Isabelle não fazia ideia de nada disso quando chegou às margens do Lago. Ela apenas parou e ao olhar para o espelho d’agua, viu as pessoas próximas a ela falarem mal dela, como uma lembrança refletida na água. Isso a fez se aproximar cada vez mais da margem.
Ela viu os homens que se declararam a ela por tantas vezes falando que ela era apenas um objeto de conquista, uma nobre altiva sem alma e ela sabia que tudo aquilo era verdade. Eram os reais pensamentos dessas pessoas que nunca tiveram coragem de dizer olhando em seus olhos.
Ela então viu seu próprio reflexo nadando embaixo d’agua chamando-a sorrindo. Ela nunca tinha visto algo assim. Jamais imaginara que veria seu reflexo sorrindo. Ela mergulhou.
Começou a nadar em direção à sua imagem. Só poderia ser uma ilusão, mas a imagem a atraía para cada vez mais fundo. Até que ela ouviu em sua mente:
“Você tem direito a uma pergunta. Pergunte e você saberá sobre qualquer coisa que tenha acontecido na sua vida. Mas apenas uma coisa.”
– Eu quero saber o que aconteceu com meu pai. O que realmente aconteceu.
“Antes de morrer, sua mãe, Béatrice, apenas lhe contou que ele se chamava Ivan e havia fugido abandonando-as. Essa não é a verdade. Você é filha de Ivan Maldovan, e por ele não possuir sangue real, o amor deles foi declarado proibido. E quando eles foram descobertos, sua mãe foi levada para Bordeaux onde você nasceu mas ela não aguentou as constantes humilhações e se matou alguns anos depois. Quanto a seu pai, ele foi torturado e açoitado e entregue à morte no pântano dessa floresta. Contudo, ele não morreu. Ele acabou se tornando o guardião deste lugar. Ele ainda está vivo e é o homem que a trouxe até aqui.”
Quando cheguei ao lago, vi o corpo de Isabelle quase sem vida. Não precisava fazer mais nada. Apenas esperar. Aproximei-me então e a ouvi sussurrar algo quase sem forças. me aproximei mais e a ouvi dizer:
“pai… você… é… meu… pai…”
Não entendia o que estava acontecendo! Não fazia sentido! Se eu tivesse uma filha, meu pai saberia e ele teria me contado. Ou talvez ele tivesse me poupado para que não fosse atrás da vida que há anos atrás quase me levou à morte e aceitasse ser o guardião dessa floresta.
Já não era capaz de controlar as lágrimas que corriam em meu rosto. Estava com Isabelle em meus braços e senti as últimas batidas do seu coração até ele parar de bater para sempre.
Agora eu precisava saber da verdade! Eu não poderia mais viver sem saber se ela é realmente minha filha. E eu sabia que o lago poderia me responder.
Eu só precisava mergulhar.