Transmetropolitan é uma excelente HQ escrita pelo Britânico Warren Ellis, publicada pelo selo Vertigo, e se enquadra dentro do gênero cyberpunk, trata-se de uma apoteose cibernética que se dedica a traçar ao longo de suas 60 edições uma bela previsão do que estamos nos tornando, e dos problemas que a tecnologia desenfreada nos causará.
O protagonista é Spider Jerusalém, jornalista paranoico, possivelmente sociopata e claramente viciado em drogas, um ser patético e medíocre, que não controla nem mesmo os mais banais desejos da carne. Mas a sacada brilhante por trás disso é que ele é um jornalista de verdade, e ele se importa com apenas uma coisa: contar a verdade.
A busca pela verdade é o tema central desta obra, e em meio a tudo isso nos vemos em uma odisseia investigativa que envolve a mais baixa escória daquela sociedade (ladrões, assassinos e estupradores) até chegar na mais alta escória (a presidência).
Este background possibilita à obra tocar nos mais profundos temas sociais, e sem medo de dizer aquilo que precisa ser dito e criticar aquilo que precisa ser criticado, é ai que Transmetropolitan brilha, e nos provoca profundas reflexões acerca de assuntos como racismo, a influência da mídia, o poder das religiões, o sistema educacional, a democracia, o abuso de poder da polícia, a censura, e a busca pela verdade. Naturalmente não será possível abordar com detalhes os assuntos e trechos das mais de meia centena edições da obra, sendo assim, tratemos do mais relevante para os dias de hoje.
Democracia
Em Transmet (abreviação usada pelo autor) quase tudo gira em tono de expor a verdade cujo aqueles que estão no poder buscam tanto esconder. Spider se dedica exclusivamente a isso, custe o que custar, de forma que suas investigações o levam ao presidente. É preciso dizer que a HQ se divide em dois grandes momentos, a primeira metade trata do final do mandato do atual presidente, chamado de “A Besta”, e as eleições presidenciais que este disputará com “O Sorridente”, a segunda parte trata de toda a corrida presidencial e os primeiros anos deste governo.
Sendo assim, vez por outra, nos deparamos com discursões sobre a natureza da democracia, e de como alguns podem se utilizar desse sistema para perpetuar o autoritarismo.
Dentre inúmeros momentos onde até mesmo o processo eleitoral e a capacidade de votar é discutida, este é um dos mais marcantes, pois é profundamente atual, e trata da questão de “escolher o menos pior”, quantas vezes isto não se repetiu pela história?
É quase como se, nas páginas seguintes, Transmet tentasse nos dizer “Vocês confiam demais nesses políticos”, o que nos leva a este trecho: “Vocês devem gostar de quando as pessoas que detêm a autoridade e que nunca fizeram por merecer mentem para vocês.” E também a este: “As únicas ferramentas de verdade que temos são nossos olhos e nossas cabeças. Não é o ato de ver somente. É compreender corretamente o que vemos.”
Em tempos de ultra informação e fake news, talvez se torne difícil imaginar como esta obra poderia ser mais atual, mas não pense que este ceticismo e desilusão se limita apenas à democracia e aos meios de corrompê-la, Transmetropolitan não poupa críticas para com modelos sociais revolucionários, isto é, aqueles que buscam a mudança total do status quo, que, por vezes, deram vazão à governos autoritários, estes também são alvos da palavra carregada de Warren Ellis.
Sociedade
Toda sociedade e seus problemas é posta em análise em Transmetropolitan, desde a alta criminalidade, o porte de armas e o direito de se proteger da tirania, opiniões sobre estes assuntos vem disfarçadas de comentários dos personagens, chegando a um ponto em que não podemos diferir o que chega direto do autor e o que é opinião da personagem. Como por exemplo no trecho abaixo que trata da criminalidade na infância e adolescência:
Na obra também temos exemplos de truculência policial como ferramenta para contenção das massas e censura:
Retirado de Transmetropolitan edição #58
Estes dentre muitos outros são os assuntos que permeiam a obra de Warren Wellis, ela não poupa esforços para te surpreender e te fazer pensar, é um soco na boca do estômago, junto de uma dose perigosamente cavalar de verdades difíceis de se admitir.
Em resumo, Transmetropolitan não se limita a acusar com parcialidade um ou outro sistema político, ele disseca e crítica tudo, aponta as falhas, as mentiras e a hipocrisia de cada um. É um estudo de caso sobre os problemas das sociedades democráticas do século XXI, muito do que está posto ali pode ser visto em doses menores e menos excêntricas nos dias de hoje, até mesmo no nosso país. Por fim, a mensagem por trás de tudo isso parece ser “não confiem tanto em seus políticos” e “busquem sempre a verdade”.