Hoje trago mais um jogo indie para o Pixelua, um muito especial para mim. Hollow Knight foi feito pela desenvolvedora australiana Team Cherry, composto por apenas três pessoas, a trilha sonora e as vozes dos personagens foram feitas por gente de fora. Na campanha do Kickstarter em 2014, os desenvolvedores conseguiram 43 mil dólares e o resultado foi… uma quebra de paradigma no que diz respeito a conteúdo de um produto independente, e mais do que isso, a qualidade artística cativante que faz de Hollow Knight o meu jogo favorito de 2017 e está entre os mais importantes que já joguei.

É um desafio apresentar um jogo muito marcante que tecnicamente não apresenta nenhum elemento peculiar bombástico. A marca de Hollow Knight se apresenta na composição de um todo, onde cada elemento trabalha com enorme eficiência. Combinadas à lindíssima arte, estão a maravilhosa trilha sonora e a narrativa singela que deixa aquela inquietação de curiosidade. Hollow Knight, com a mescla perfeita de referências e sua alma autêntica, resulta, por que não, no MetroidVania mais definitivo desde a concepção desse gênero há 20 anos.

Os gráficos foram feitos a mão, a arte tem um quê de Tim Burton, uma mistura do fofinho e do macabro. Você fica encantado com os cenários vivos, cores vibrantes, as folhas mexendo, os “pássaros” voando, a harmonia com o plano de fundo dos ambientes. O jogo reúne esse encantamento com uma sensação de desconforto quando você chega em lugares mais misteriosos, que provocam uma inquietação com a escuridão e criaturas intrigantes. Na área Deepnest, por exemplo, a inserção de insetos rastejando no plano da frente passa uma agonia ao jogador, misturado à trilha sonora e aos efeitos sonoros, qualquer um que tenha pavor a insetos tende a ficar incomodado.

Chegando em Ditmouth, a cidade acima do reino de Hallownest.

A história de Hollow Knight é vaga, você é apresentado a um reino subterrâneo de insetos, chamado Hallownest. Você também não conhece sobre o seu personagem e suas motivações, ele apenas chega a cidade de Dirtmouth, com apenas um habitante solitário que avisa sobre o que há abaixo.

Costumava haver um grande reino abaixo da nossa cidade. Há muito tempo caiu em ruínas, mas ainda atrai as pessoas em suas profundezas. Riqueza, glória, iluminação, a escuridão parece prometer todas as coisas. Tenho certeza que você também procura seus sonhos lá embaixo. Mas cuidado. Há um ar doentio que enche o lugar. As criaturas enlouquecem e os viajantes têm suas memórias roubadas. Talvez os sonhos não sejam tão bons assim…

Elderbug

Com o auxílio dos outros personagens, descrições de itens, de inimigos e os próprios detalhes dos cenários, o jogo vai oferecendo os fragmentos para o próprio jogador montar esse quebra cabeça, os quais alguns encaixes são surpreendentes. Uma marca presente em eventos tocantes de Hollow Knight é a forma singela em que as informações são passadas ao jogador, não espere ser apresentado a fatos relevantes com grandes explicações esmiuçadas, tenha em mente que olhar para trás possui um enxame de significados.

Hollow Knight foi inspirado em Metroid, Castlevania, The Legend Of Zelda II, Dark Souls, entre outros. Das análises e menções a esse jogo na época de seu lançamento, observei que cada um destacava uma influência dominante diferente, e no meu caso a influência que mais sobressaiu foi a da série Souls. Não é pela dificuldade e sim pelo clima do jogo, a forma que a história se constrói por fragmentos, o tom melancólico e bastante sombrio em alguns momentos, o fato de ter um reino que no passado era glorioso e no tempo atual de sua aventura está em ruínas.

Construindo sua “única” jornada

Em Hollow Knight você tem um mapa, porém você só pode visualizá-lo quando o compra de um cartógrafo que está em lugares bem específicos, algumas vezes super escondido. Mesmo que você explore tudo, o mapa não é liberado na sua tela antes de comprá-lo do cartógrafo, isso é outra sensação familiar para quem jogou a série Souls, da memorização de ambiente. Outro elemento familiar são os checkpoints específicos, no caso os banquinhos onde seu personagem senta, quando você morre, volta para esse local. Ao chegar no ponto onde morreu, uma espécie de sombra do seu personagem estará lá, e para recuperar as moedas perdidas, é necessário derrotá-la.

O mapa de Hallownest.

Como todo MetroidVania, você acessa áreas, antes inexploradas, por meio de habilidades que você ganha no decorrer da jornada. Posso dar o exemplo do pulo duplo, do dash, de se prender na parede que nem o Megaman, etc. Mas independente de qualquer melhoria do personagem ou da própria prática do jogador, Hollow Knight é ótimo em oferecer a sensação que você está entrando em uma zona que talvez não devesse estar naquele momento, em não ter certeza se está indo no caminho certo. O que pode ser negativo para alguns, essa característica na verdade é a essência do gênero MetroidVania, algo que não aparece nos diversos títulos indies lançados nos últimos anos. Hollow Knight permite mais de um caminho possível, ou seja, você pode chegar a uma área chave do jogo pela área X, mas outro jogador chega passando por Y e Z, e os personagens são diferentes por conta desses trajetos diferenciados. Existem os charms, que são tipo amuletos com habilidades pontuais que podem ser acrescidas ou retiradas, e quanto mais o jogo passa, mais você tem espaço pra encaixá-las. Alguns podem reclamar dessa limitação, mas acrescenta um fator de estratégia que pode ser diferente para cada tipo de jogador.

Sua vida é medida por pequenas máscaras no canto da tela, que a cada dano são perdidas, uma a uma. Se existe algo “novo” em Hollow Knight, é a dinâmica que a recuperação de vida possibilita. O jogador segura um botão específico para recuperar uma dessas pequenas máscaras, o qual gasta energia que é a esfera branca próxima a sua vida. Essa energia se regenera sempre que você bate nos inimigos, forçando a recompensa numa postura ofensiva do jogador. Essa energia, conhecida como soul, também te permite usar algumas habilidades como projéteis mágicos, ou seja, é um componente importante para estratégia do jogo, sobretudo nas batalhas contra chefes, nas quais, ao estudar os movimentos dos inimigos, você eventualmente verifica os segundos em que pode se curar, ou partir para um ataque mais pesado.

Mantis Lords

Por falar neles, os chefes do jogo são um destaque a parte, pois envolvem a inteligência em reparar padrões e exigem a destreza do jogador nos controles. Algumas batalhas são bem difíceis, porém num todo são deliciosas e proporcionam um entusiasmo que poucos jogos me proporcionaram. A batalha contra os Mantis Lords foi um ponto em que Hollow Knight subiu no meu conceito, pois apresenta uma composição de trilha incrível que dita o ritmo da batalha frenética e a estética dos chefes passa uma intimidação. Esses componentes foram me preenchendo de empolgação e de admiração pelo momento, quando passei para a segunda parte da batalha, onde apanhei por não ter dominado os padrões, eu automaticamente aplaudi o jogo, por proporcionar tal experiência.

Um mundinho cheio de melancolia

Tudo que precisava falar sobre as características formais já passou, o que resta agora é citar a magia da experiência de Hollow Knight. Até chegar a segunda área do jogo, Greenpath, estava encantado com visual, me acostumando ainda com a fluidez da jogabilidade. Até então, Hollow Knight não tinha me pegado de jeito, eu estava com o sentimento de Ori And The Blind Forest, um jogo lindíssimo, carismático e tecnicamente competente, porém com uma jornada breve, sem um grandioso escopo. Mas em Hollow Knight, quando cheguei em uma parte específica, nessa mesma área Greenpath, o jogo apresenta um menu dedicado a todas as criaturas que você encontra. Essa informação me deixou bobo, porque tive a certeza que essa aventura seria grandiosa. Uma característica que me faz gostar de um jogo de cara é a variedade de inimigos, e quando ele oferece esse catálogo, é um prato cheio que quero devorar, ainda mais que Hollow Knight é muito competente em diferenciar os inimigos e agregar um valor simbólico a cada um deles, pois você a todo momento tenta associá-lo a ambientação e a trilha sonora. No cenário magnífico de City Of Tears, você enfrenta os cidadãos da cidade, e o jogador percebe que eles são bem acanhados, tem aquele sentimento que há alguma coisa estranha no ar.

City Of Tears

City Of Tears é um exemplo de como o jogo tem algo de único. Nos jogos de grandes orçamentos, deixamos o personagem parado para observar paisagens magníficas de gráficos fotorrealistas, efeitos de luz, clima, etc. Em Hollow Knight eu deixava meu personagem a beira da janela e ficava maravilhado com a aquela composição de imagem, observava a chuva bater no vidro, ouvia a música e sentia no meu âmago o sentimento de melancolia que ecoava naquele mundinho, que estranhamente me fazia muito bem.

Hallownest é um reino de insetos e você joga com um personagem cuja a arma é uma agulha, esse mundo de miniatura me evocou um sentimento maluco. Brinquei com bonecos até os 14 anos, criava histórias com eles em vários arcos, cada espaço da minha casa e no quintal era a imaginação de um cenário diferente. A minha cama geralmente possuía um cobertor azul, no meu imaginário era um cenário de neve, a cama de casal dos meus pais possuía um cobertor verde, era na minha cabeça um grande campo verdejante, o sofá servia como uma cordilheira de montanhas. A cada momento que deixava de jogar Hollow Knight, observava os ambientes do meu cotidiano em uma perspectiva diferente, o quanto de vida pode conter em cada canto que geralmente nem damos importância? Eu cito essas “loucuras” todas para mostrar o que Hollow Knight me ofereceu, uma experiência cheia de valores significativos dentro e fora de seu mundinho.

Como recomendar Hollow Knight?

No processo dessa análise me deparei com outras opiniões sobre o jogo, até para deixar esse texto mais completo. De início achava que Hollow Knight era um jogo fácil de recomendar para qualquer pessoa, mas ao deparar com outras opiniões, com muito pesar digo que não é uma obra para qualquer um. O estilo MetroidVania está na sua essência, o jogo não te pega pela mão e a recompensa por explorar mais é basicamente ser apresentado a mais áreas para se explorar. Pelo que vi em algumas reviews na época, ou se esqueceram dessa característica primordial, ou escalaram analistas não compatíveis com o jogo. Hollow Knight não é o jogo mais difícil do mundo, mas para um jogador que está acostumado a ter um objetivo definido, uma narrativa direta, vai com certeza resumir os pontos positivos do jogo a seu visual e trilha sonora.

No período desse post, Hollow Knight custa 28 reais na Steam, é um custo-benefício absurdo para um jogo com mais de 30 horas de conteúdo em uma única campanha, fora as expansões gratuitas lançadas, uma atualização desse mês de abril inclui um novo chefe. Quando se pensa em um jogo indie, parece algo tão distante das grandes produções no que diz respeito a escopo, há vários títulos que passam experiências únicas e abrem mão de conteúdo para focar no objetivo, até por questão de orçamento limitado. Mas Hollow Knight consegue passar algo único por sua estética e narrativa, nostalgia por emular elementos antigos, e MUITO CONTEÚDO, inseridos com mais cuidado que muito jogo grande de mundo aberto, que costumam inserir elementos aleatórios sem significado para aumentar artificialmente as horas de jogo. Se você for jogar Hollow Knight, é importante a cada momento ter em mente que foram TRÊS pessoas que fizeram esse mundo tão rico de detalhes. Para quem é fã do estilo MetroidVania é obrigatório experimentar Hollow Knight.

Uma característica de um jogo bem marcante, na minha opinião, é o poder que ele tem de te fazer questionar as experiências que você teve com outros jogos. As características que Hollow Knight apresenta com primor, me fizeram questionar a forma com que essas mesmas características foram utilizadas em outros jogos, sobretudo no gênero MetroidVania. Combinando uma justificativa básica a mais sentimental, Hollow Knight simplesmente tem tudo que gosto em um jogo de uma vez só. O que eu aprendi a gostar em Super Metroid e Castlevania Symphony Of The Night: a jogabilidade responsiva que oferece múltiplas habilidades com possibilidades de exploração, variedade de inimigos e cenários, trilha sonora e visual memoráveis. E o que eu aprendi a gostar do chamado design de subtração, a forma de construir uma narrativa com o minimalismo em Ico e depois Demon’s Souls. No Dark Souls esse minimalismo foi adaptado para contar uma rica história com os meios menos convencionais, porém expandindo as possibilidades que os games possuem de oferecer novas experiências. Enfim, se eu enxergo essas diversas características que amo de vários jogos em um único, e mesmo assim me oferece uma experiência diferenciada, obviamente é justificado Hollow Knight ser um dos jogos mais marcantes da minha vida.