[ESTE POST NÃO CONTÊM SPOILERS]

O novo God Of War de fato se mostrou surpreendente. Confesso que nem estava animado para jogá-lo, na verdade nunca fui fã da franquia, acho que foi só mesmo aquele deslumbramento inicial dos dois primeiros jogos. Sendo bem frio em uma breve análise, o novo God Of War nada trouxe de novo, e também seguiu o passo de outras franquias que conseguiram se renovar nos últimos anos. Porém, há algo de espacial nesse caso em específico, que se expande além de seu cânone. O sucesso da reinvenção de God Of War é ter em mente que o videogame ainda é um jovem adulto.

Um corpo em desenvolvimento

É muito fácil fazer essa metáfora da história dos videogames com a nossa história, o nosso desenvolvimento como ser humano. Engraçado associar a pré-adolescência, o momento em que descobrimos o nosso corpo por meio de mudanças, com a massificação dos jogos em três dimensões, o momento que a indústria dos games descobria suas novas possibilidades. A geração 32 bits, na segunda metade dos anos 90, foi marcada por dissociar os jogos da infantilidade que se tinha quando se pensava no Super Nintendo por exemplo, o visual mais “realista” possibilitava temáticas mais “maduras”. Caminhando mais adiante na época do Playstation 2, em 2005 foi lançado o primeiro God Of War, onde foi apresentado um banquete que saciava os desejos juvenis, do jogador achar que estava fazendo coisa de adulto. É certo que ele não foi o primeiro jogo a fazer isso, mas, talvez tenha sido o auge, levando em conta o arco de história que envolve a sua primeira trilogia como trama principal.

 

Representações da violência e sexo no “antigo” God Of War

 

O Kratos é a representação em imagem disso, é por ele que os jogadores expressavam sua sede de violência, e até por meio do sexo nos minigames toscos. Tudo que Kratos faz tem que ser com agressividade, com grunhido, a própria trama em si é o imaginário de se rebelar as regras impostas, e existe melhor representação disso que desafiar todo o panteão de deuses gregos?

Desconsiderando a discussão se videogames é ou não catalisador de impulsos violentos (que não é foco dessa postagem), existe de fato um fetiche com a violência nos games que não existe em outras mídias, sobretudo por sua interatividade, por possibilitar que os desejos do jogador se expressem na narrativa. God Of War soube muito bem se utilizar disso, aliando a um contexto muito rico que é a mitologia grega. Porém com uma repetição de fórmula, de outros jogos inclusive, essas mesmas regras não garantiriam um sucesso infinito, e God Of War Ascension foi o ponto de esgotamento. O adolescente da década passada é o adulto de hoje, com outra visão de mundo, com desejos diferentes, inclusive, as ilusões que conseguiam lhe cativar anteriormente, não possuem mais esse mesmo poder, por conta das experiências vividas e responsabilidades assumidas.

 

Encontro com a serpente gigante Jörmungandr.

 

O velho atualizado

Chegamos ao God Of War de 2018, novo não apenas por ser mais título, mas um choque com o que existia antes, a novidade se dá por um recomeço de história em outra mitologia, no caso a nórdica. As minhas primeiras impressões do jogo, ainda pelos trailers, houve a certeza de que a franquia caminhava para algo diferente, mas seguindo uma linguagem que é recorrente nos jogos da Sony. Esse novo Kratos foi apresentado com o potencial de ser um personagem mais aprofundado que nos outros jogos, mas a impressão que me dava era mais um The Last Of Us vestido de God Of War, do que realmente a franquia se aprimorando.

Essa impressão inicial mostrou-se como fator crucial para as qualidades que o jogo mostrou durante a jornada de Kratos e Atreus. O que God Of War faz de mais genial se comunica bem com quem foi familiarizado com os elementos dos jogos anteriores. De início, o jogo obedece o padrão de ser da atual geração (narrativa cinematográfica, relações convincentes entre personagens, questões técnicas), e com o tempo as características do velho God Of War emergem, só que atualizados, em momentos simbólicos que cativam qualquer fã. É bom o protagonista ser o velho Kratos, após tudo que aconteceu, e não um personagem feito do zero para explorar os nove mundos pela Yggdrasil.

Ver como o velho Kratos é desconstruído pelo tempo é um dos pontos altos da experiência, como ele busca melhorar sua atitudes, mesmo sabendo que não merece perdão pelo que fez em sua jornada passada. O que move a atual aventura de Kratos é levar as cinzas de sua esposa morta a montanha mais alta, acompanhado de seu filho Atreus.

 

 

Nem sempre ampliar a escala é evoluir

A relação entre os dois personagens é o que move o jogo, e mais do que evoluir tal característica que apareceu na Sony lá em 2001 com Ico, God Of War evolui o épico por meio do minimalismo, e isso é algo que foi experimentado, ache absurdo ou não, no primeiro Castlevania Lords Of Shadow, nos momentos de contemplação, só que esse caso, da aventura solitária do protagonista Gabriel. No caso de God Of War, é a relação entre pai e filho, o que na verdade resume o jogo é que ele se trata de histórias de famílias, e todos os elementos fantásticos envolvem esse núcleo, o qual de fato é o que se comunica com o jogador, em especial o adulto, aquele que antes se supria com suas fantasias de rebeldia, violentas e sexuais.

A evolução do épico, não quer dizer evoluir a escala e ter lutas mais absurdas das quais já eram antes, mas é um passo adiante, um novo olhar do que é estabelecido. Fez sentindo aquele nível de exagero estar presente naquele contexto grego. Quando você está em Alfheim e vê a beleza que é esse reino, explorando com Kratos remando seu bote na companhia de seu filho, tem-se a impressão de que o contexto nórdico parece ser ideal para passar essa relação e torná-la íntima ao jogador no decorrer do jogo.

 

Alfheim, mundo dos elfos da luz.

 

O jogador não luta mais com a expressão de seus desejos juvenis, seus combates passaram a ser em prol da proteção e preparo de um filho para a vida cruel, de cumprir a promessa a um ente querido, quebrar um ciclo violento sem ser atormentado pela culpa de erros, aceitando quem realmente é, inclusive repensar como enfrenta suas batalhas. É mais do que apenas evolução de jogabilidade, de gráfico ou de representar de forma incrível outra mitologia, é aprimorar o que se entendia de Kratos. Por mais popular que fosse, ele representava mais os valores do puro desejo de diversão pelo descarrego de raiva do jogador no jogo, da expressão da rebeldia contra a ordem, da manifestação da virilidade, dentro de um contexto tão rico de significados que é a mitologia grega.

Para quem não era tão fã de God Of War, é até engraçado reforçar que esse novo jogo é um marco na história dos videogames, em sua forma de contar histórias e transmitir valores. A Santa Monica Studios deixa uma mensagem bem clara “conseguimos transportar aquele Kratos e aquele God Of War para um outro contexto”, ou seja, conseguiram amadurecer o adolescente mais revoltado. Apesar de paradoxos existentes, vivemos sim uma ótima época para se jogar videogames.