Olá, caros leitores! Recentemente o ProAC, edital de premiação de projetos artísticos no estado de São Paulo, lançou mais uma edição, desta vez com um orçamento para quadrinhos de 1 milhão de reais. Resolvi falar um pouco dessa relação entre poder público e a produção de quadrinhos nacionais.
ProAC (Programa de Ação Cultural) contempla em seus editais diversas categorias artísticas diferentes. Desde 2008, o programa mantém um edital cujo objetivo é ser uma ferramenta de incentivo público para os produtores de quadrinhos no estado de São Paulo. Neste ano a verba total é de 1 milhão de reais e cada proponente pode solicitar um orçamento de até 50 mil para o seu projeto, totalizando até 20 premiados.
Mas qual a importância de editais como o ProAC? Para ficar em um exemplo paradigmático, em 2013 Marcelo d’Salete teve uma de suas principais obras, Cumbe, financiada pelo edital. Cumbe foi indicado ao prêmio HQmix (Brasil, 2015), ao Rudolph Dirks Awards (Alemanha, 2017) e premiado no Eisner Awards 2018 na categoria Best U.S. Edition of International Material. Mas o financiamento público vai além disso.
Incentivos do Estado são essenciais para qualquer área da produção cultural, e para os quadrinhos não poderia ser diferente. A partir de um incentivo inicial, mesmo de pequeno aporte, todo um cenário pode ser criado e movimentado constantemente, até poder caminhar por conta própria. Os editais públicos funcionam como “investidores” que apostam em produtos culturais e depois veem o resultado daquilo retornar para a sociedade que, na prática, subsidiou a produção. É justamente por isso que a maioria dos editais apresenta uma obrigatoriedade de contrapartida, uma proposta de retorno à sociedade em troca do apoio recebido.
Com os editais as cadeias de produção se movimentam melhor, artistas conseguem se profissionalizar, pequenos empreendedores conseguem parte de sua renda, iniciativas e startups surgem e há formação e renovação de público.
Uma pesquisa da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro), aponta que o “PIB Criativo” ocupa 2.61% e mais de 171 bilhões da economia brasileira (2017). Ainda é pouco, principalmente se compararmos com alguns países europeus onde o conceito de “economia criativa” já está bem mais estabelecido.
Angoulême, por exemplo, soube aproveitar muito bem a produção de quadrinhos e do mercado editoral como um todo da Europa e se transformou numa das cidades criativas da Unesco (literatura). Lá acontece anualmente o Festival Internacional de banda desenhada, um dos mais famosos e prestigiados no mundo.
Infelizmente, parece que o Brasil ainda está longe de entender isso. Alguns gestores, a exemplo dos países desenvolvidos, copiam modelos como o da França, mas a aplicação dessas políticas públicas, a descontinuidade ou até sua inexistência, acaba criando imensas lacunas na produção nacional.
São Paulo tem o ProAC e alguns outros estados e cidades também possuem editais de incentivo à cultura, como o Edital Quadrinhos da Fundação Cultural de Curitiba. Mas a maioria dos produtores do país que buscam incentivo, precisam concorrer em editais não específicos de artes visuais ou literatura, ou ainda, precisam contar com a iniciativa privada. É o caso do Rumos do Itaú Cultural e outros editais de bancos e grandes empresas. Não é o pior dos cenários, mas para algumas localidades significa que a produção dificilmente vai atingir o grande público. Poucos artistas conseguem se profissionalizar a ponto de terem condições de concorrer em editais nacionais.
O Amazonas, por exemplo, maior estado do Brasil em território e cuja herança cultural oferece um baú de histórias incríveis, não possui um edital específico para a produção de quadrinhos. Aqui a música e o teatro são as categorias que mais conseguem espaço nos editais públicos, talvez por terem comunidades de produtores bem organizadas.
Manaus, capital do estado, conseguiu aprovar uma legislação municipal para o incentivo à produção cultural local em 2017 e, já há alguns anos, a Prefeitura de Manaus promove o edital Conexões Culturais. O edital ainda não reconhece quadrinhos como uma categoria artística independente, com características próprias, mas permite que os projetos de HQ sejam inscritos e contemplados. O desafio, porém, é enorme: entregar, no ato da inscrição, as 40 primeiras páginas ou 50% do projeto pronto, no caso de revistas, livros etc.
A grande questão é: precisamos do Estado, ao menos para que se forme um cenário mais independente e uma cultura de consumo e de produção.
O FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte) é o principal evento de quadrinhos do país e dificilmente aconteceria (com as mesmas proporções) sem o apoio da Fundação Municipal de Cultura de Belo Horizonte.
A organização enquanto classe é essencial para cobrarmos do Estado, em todas as esferas públicas, uma posição mais firme e presente no cenário de quadrinhos, assim como ocupar os editais pelo país, sejam eles de literatura ou artes visuais.
Pensar como cenário, mais amplo, diverso, igualitário e inclusivo será decisivo nos próximos anos da história do quadrinho nacional.
Obrigado e até a próxima!