Imagine uma cidade de 11.401,092 km², mais de 2 milhões de habitantes e com o oitavo maior PIB per capita do Brasil. Bom, com esses números você deve ter imaginado que esta é uma cidade do Sudeste ou do Sul, talvez uma do interior de São Paulo… mas essa é Manaus, capital do Amazonas. Embora Manaus seja uma cidade “grande” para os parâmetros brasileiros, aqui, como na maioria das cidades do Norte e do Nordeste, um problema histórico atinge a população, a centralização de investimentos públicos e privados nas regiões Sul e Sudeste.

As causas dessa centralização são diversas, complexas e fogem do escopo da coluna, assim como alguns efeitos nas regiões afetadas, que vão desde (talvez o mais importante) concentração de renda e subsequente desigualdade social brutal, até o oferecimento de serviços básicos como uma rede de educação e saúde, segurança etc. Já dá pra imaginar o que acontece na área da cultura e do entretenimento, não é?

De acordo com a 5ª edição da pesquisa “Retratos da leitura no Brasil“, de 2019, cerca de 42% dos leitores do país estão na região Sudeste. Apenas 8% são do Norte. Essa desigualdade também se torna aparente quando observamos a presença das principais editoras do país, a execução de eventos voltados para os quadrinhos ou para a cultura pop e o investimento público neste setor por meio de editais e outras ações.

O maior evento de cultura pop do mundo acontece em São Paulo (CCXP), assim como um dos principais eventos do mercado editorial (Bienal Internacional do Livro). Um dos festivais mais tradicionais de HQs acontece em Minas Gerais (FIQ). Temos ainda: PROAC; Bienal de Quadrinhos de Curitiba; as principais comic shops; escolas de formação em arte; e eu poderia fazer uma lista bem grande de benefícios para quem está neste eixo.

Antes de continuar eu preciso deixar duas coisas bem claras: 1) EU SEI que nem tudo são flores para o quadrinista, o editor, o dono de comic shop que estão onde as coisas acontecem. É uma luta dura trabalhar com arte no Brasil (sendo sincero, ser brasileiro já é bem difícil). 2) EU NÃO ESTOU CULPANDO VOCÊS QUE ESTÃO AÍ, pelo menos não completamente e já explico isso.

“Ah, mas tudo isso é muito complexo e não tem uma solução fácil”. Correto. Parte do problema, na minha opinião, nunca terá solução, por conta da dimensão geográfica do Brasil. Mas temos algumas ferramentas nas mãos e devemos usá-las. Tomei a liberdade de sugerir algumas delas.

Organizadores e curadores de eventos: convidem pessoas de outras regiões para participar de bate-papos, mesas de autógrafo, palestras, júri técnico etc. É caro bancar a participação? Chame alguém que já está por aí! Acredite, somos muitos, pois temos poucas opções senão deixar nossa região.

Editores/editoras: publiquem mais autores de fora do eixo. Convidem outros ilustradores, arte-finalistas, coloristas, revisores. Há muitos profissionais por aqui que trabalham como freelancers ou são subaproveitados em agências de publicidade e setores do serviço público. Se você não conhece nenhum, pergunte de um criador de conteúdo dessa região, um jornalista ou abra uma chamada pública nas redes sociais. Geralmente existe uma rede de profissionais nessa área pronta para se ajudar.

Artistas: não nos ignorem. É feio, constrangedor e pode gerar efeitos profundos na carreira e na saúde mental de algumas pessoas. Eu sei da complexidade do que estou pedindo. Você não é responsável por ninguém só por ser um artista bem-sucedido ou que ganha, de alguma forma, a vida com sua arte. Mas não se esqueça, você trabalha com algo que pode tocar profundamente as pessoas, emocioná-las ou fazê-las questionar e repensar o mundo. Não é contraditório que alguém tenha sensibilidade para fazer arte mas não tenha a mesma sensibilidade para pensar no outro? Se imaginem nessa posição, sem apoio, sem incentivo ou perspectiva de crescimento. Para quem está nesse lugar um simples comentário, um agradecimento ou uma dica vale muito.

Por aqui já lutamos diariamente nos organizando em coletivos, nos ajudando quando decidimos deixar o nosso estado, criando eventos ou pressionando o poder público para a consolidação de apoio em ações concretas. Se fizermos isso juntos, podemos amenizar os estragos de décadas de centralização e tornar possível o sonho de quem quer viver de arte e de quem precisa ter acesso à cultura no país.

Espero ter contribuído com a discussão e espero estar aqui para ver a mudança acontecer um dia.

Até o próximo papo!