Jan Santos
No fim do mundo, as senhoras do Destino fizeram um furo no céu para que as águas da Noite se acumulassem em uma lagoa plácida, pois, dizia-se, o presente, o passado e o futuro eram um só quando visto através das lágrimas das estrelas.
Sobre esse espelho, uma deusa antiga se debruça. Repousando sob o braço direito, ela traz uma coroa de espinhos negros, e sobre a armadura justa ao corpo, um manto comprido, verde como a peçonha da Serpente que circunda o mundo. Poucos sabem que a vestimenta mascara seu rosto verdadeiro, dividido entre a beleza nórdica típica de sua gente e a outra metade, corrompida pela putrefação da carne. Usando o manto, aos homens só se mostra a parte agradável.
É Hela, cujo mero toque da destra mataria o próprio Odin, e a canhota mantém todo o Submundo sob sua vontade, guardando em si a alma dos homens bons, dos maus, e dos piores.
Muitas vezes, já falaram contra ela, mas em nenhuma, aproximaram-se sem cautela.
Loki. Balder. Odinson.
Nenhum deles usava seu nome sem que sentisse o medo lhe esfriar o sangue. Perto dela, até a Vida toma cuidado, pois Hela é a Sombra, Hela é o Escuro, Hela é o anjo que abraçará o mundo quando consumido for pelo fogo de Surtur.
Ainda assim, ela vem ao fim do mundo, e sobre o espelho do Destino se debruça.
O que alguém de sua estirpe espera ver, ela cujo rosto evoca o que há entre a vida e a morte?
Ela vê a si, mas não a versão com a qual está acostumada: está em outro mundo, onde sua imagem não traz os ventos do mundo inferior consigo. Ela se vê não como a entidade que acostumou-se a existir, mas uma cópia simplista, cujo toque a ninguém mata, cuja ordem nenhuma alma sequer escuta. O que passa no coração da Rainha do Além ao ver-se reduzida a uma filha insatisfeita, a uma atiradora de facas cujo poder sequer faz seus inimigos reconsiderarem as intenções?
Não se passa nada.
Mas Hela sabe que tal profanação não poderá ficar impune. A coroa de espinhos ela põe na cabeça, o manto ela chicoteia contra os ventos, pois sua viagem será longa.
Há roteiristas que ela precisa matar.