Talvez a passagem pela vida esteja somente dividida entre as nossas memórias e momentos que nunca iremos viver.

Desde muito criança, quando passava de ônibus pelo Japiim, Cláudio observava inquieto uma grande casa verde com cinco janelas. Não importava qual fosse o dia, clima ou ocasião, a casa verde sempre estava ali esperando.

A gente vai crescendo e as memórias vão ficando cinzas e momentos se tornam quase esquecíveis. O avô de Cláudio, quando vivo, dirigia um chevette branco. Em todas as memórias de Cláudio, o chevette branco era muito espaçoso, e por ali ele se divertia, pisava em todos os cantos, pulava entre os bancos e certamente não perdia a oportunidade de andar no banco da frente, o que para uma criança de 4 anos era quase como dominar o mundo.

Cláudio foi esquecendo da voz do seu avô e de todos os cantos por onde passavam naquele chevette branco. Quando passavam por uma ladeira perto da casa verde com cinco janelas, o avô de Cláudio gritava “geladeira” e olhava para o lado direito, e o olhar curioso de Cláudio tentava o acompanhar, buscando a tal geladeira, mas nunca a encontrava, tudo o que tinha olhos era a casa verde com cindo janelas que ali perto ficava.

Nunca ficou tão claro para Cláudio porque seu avô ficava tão feliz em avistar aquela geladeira imaginária, se é que a imaginava. Talvez fosse apenas para mostrar o quanto estava feliz por estar ao lado de Cláudio, ou talvez fosse uma tradição sua, ou até mesmo apenas vontade de chamar a atenção do seu neto. Aquele tipo de animação, Cláudio desde pequeno já não entendia.

Tudo isso foi sendo esquecido, quem sabe a gente fica um pouco amargurado quando cresce e o cinza toma conta de tudo. Já não é missão fácil ver um dom de um sorriso no rosto de Cláudio, ou um cabelo totalmente arrumado, ele ainda se preocupa com como deve estar sua aparência, mas é só que tem vezes que a aparência não faz diferença alguma e ele segue adiante.

Agora já no topo dos seus 23, o nosso protagonista não se sente mais como aquela criança que era o rei do mundo somente por tomar conta do banco da frente do carro do seu vô. Não é que não tome proveito das pequenas alegrias que a vida vem trazendo, mas é só que indo de pequeno em pequeno, hoje em dia pequeno é seu sentimento.

Em uma quarta-feira, o dia da semana menos preferido de Cláudio, ele andava em seu carro, que diga-se de passagem é bem melhor que um chevette branco, e avistou algo que já não via fazia anos, a casa verde com cinco janelas estava ali, parada, o esperando. As memórias de Cláudio ganharam vida e o som que ele escutava foi se diminuindo lentamente. Como pôde esquecer da casa verde com as cinco janelas? Ela estava bem na sua frente, completamente fechada e com a pintura nada desbotada.

Tudo na casa verde era como Cláudio lembrava, a cor da porta e das grades das cinco janelas eram brancas e muito se pareciam com as grades da casa de sua vó, e para a surpresa do rapaz, em cada janela estava pregada uma letra que formavam a palavra “VENDO”.

Quando criança, Cláudio era um pirata, era o homem-aranha ou até mesmo um x-men. Sua mãe nunca cansou de lembrar das vezes em que ele avistava a casa verde com cinco janelas da janela do ônibus. A mãe de Cláudio dizia que não importava qual personagem Cláudio estava brincando, ele imaginava histórias e mais histórias de aventuras de seu personagem dentro da casa verde com cinco janelas.

Cláudio, quando criança, imaginava os segredos que a casa verde com cinco janelas estava guardando. Talvez tivesse uma piscina nos fundos, talvez tivesse piso de madeira, talvez contasse com 3 quartos, 1 sala de estar e 2 banheiros. Uma metáfora perfeita para todo seu desespero.

Em segundos um turbilhão de coisas passou pela cabeça de Cláudio, que conseguiu frear o seu carro antes que atingisse o carro à frente. Na cabeça só um pensamento ganhava vida, “eu tenho de entrar na casa verde de cinco janelas”. Não poupou tempo, ligou para o número que estava em uma faixa pendurada nas grades de segurança da casa e marcou uma visita para sexta-feira à noite.

Durante toda a quinta, Cláudio era o dono do mundo. Dessa vez não era um pirata, nem o homem-aranha e muito menos um x-men, era apenas um rapaz que trabalhava em um escritório e tinha todos os sonhos do mundo guardados entre momentos que lembrava e momentos que nunca iria viver. Desde às 7h até às 23h na quinta-feira, Cláudio imaginou tudo o que encontraria na casa verde com cinco janelas, finalmente iria ver a casa por dentro.

Na sexta o expediente de Cláudio acabou às 18h e ele seguiu firme para visitar a casa verde com cinco janelas. Estacionou seu carro perto da ladeira, respirou fundo e saiu de lá. Bateu palmas educadamente em frente à casa verde e de lá surgiu o dono que agora queria vender a casa.

O dono da casa verde de cinco janelas convidou Cláudio para entrar e, ao entrar, Cláudio teve uma surpresa maior do que todas as que esperava, viu como a sala de estar não tinha piso de madeira e era toda empoeirada. Os quartos eram extremamente pequenos e mal caberia ali o guarda-roupas e a cama de Cláudio juntos, não que ele quisesse se mudar. Nosso protagonista também não encontrou os 2 banheiros, e sim apenas 1, porém um banheiro bem modesto e bem melhor do que ele esperava.

Ao andar para o quintal, Cláudio viu que ali existia sim uma piscina que deveria ter tido bons dias no passado e então uma lágrima chegou bem perto de sair de seus olhos. Cláudio pediu ao dono da casa que o desse licença, pois ele faria uma ligação bem importante para sua esposa, o dono da casa entendeu e disse que esperaria Cláudio na sala de estar. Cláudio não tinha esposa.

Cláudio se sentou na beirada da piscina vazia, que dentro só tinha folhas velhas e apodrecidas. Olhou para a árvore do quintal, piscou os olhos com bastante força e se viu quando criança, imaginou como seria divertido correr por ali.

Parecia que todos os momentos que Cláudio lembrava e todos os momentos que ele nunca viveria já não importavam, Cláudio não imaginou a vida que teria mas sim a vida que teve até ali. A sua vida era boa e mesmo que parecesse ser tempos sem muitas glórias, sabia que tinha sido reservado para ele um pequeno momento de alegria desde que o universo fora criado e que durante o tempo todo, aquele único momento dele, ali sentado perto da piscina, o esperava para que ele pudesse lembrar de como ver o mundo com os olhos de uma criança nos deixa vivos.

Cláudio lembrou de seu avô, lembrou das tardes na casa de sua vó, lembrou das histórias da mãe e de todos os heróis que ele já foi. Imaginou longe e voltou, viu que de nada valia esquecer a vida lá fora, viu que agora era grato por ter finalmente entrado na casa verde de cinco janelas.

E Cláudio estava irritado por ter criado tantas expectativas em torno do que a casa seria e não era nada do que ele esperava? Claro que não. Cláudio seguia feliz por estar errado, talvez estivesse apenas emotivo e criou tanta expectativa por ser algo que imaginava desde criança, mas nada disso importava. Quer dizer, ele já tinha quebrado muito a cara e nunca criou um mecanismo de defesa para diminuir as expectativas. Cláudio amava a sensação de criar expectativas e de ver como as coisas iriam se desenvolver, de muitos modos, se o final não valia a pena, a jornada em si valeria bem mais.

Com apenas um pulo, Cláudio se levantou, sacudiu um pouco das folhas que se grudaram no seu corpo, arrumou o cabelo e olhou para o anoitecer. Com novos horizontes chegando em sua mente, só uma palavra poderia definir tudo de bom que tinha acontecido ali, naquele breve momento em um pequeno quintal em uma casa desconhecida. Imaginou o seu avô e entendeu toda a felicidade daquele velho senhor, avistou a lua e soltou um breve suspiro ao falar “geladeira”.

Agora ele entendia. Agora ele entendia.

Nós mudamos quando crescemos
Somos jovens e não sabemos
Que um dia envelhecemos
E distraídos venceremos

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