A série criada por Gene Rodenberry na década de 60 se tornou um fenômeno da cultura popular, desencadeando uma série de filmes e séries spin-offs de TV ao longo dos anos. Agora, na segunda década deste século, após a bem-sucedida reinvenção que J.J Abrams fez da franquia nos cinemas, o universo encontra mais uma forma de se expandir, através de uma nova série, produzida em parceria com a Netflix.
Finalmente com efeitos especiais à altura da qualidade narrativa da franquia, “Discovery” vem para apresentar uma nova tripulação, nesta espécie de reboot, com uma história que se passa anos antes dos acontecimentos da série original.
1. Enredo
Acompanhamos a imediata Michael Burnham (Sonequa Martin-Green) a bordo da USS Shenzhou. Vivendo conflitos de insubordinação à sua capitã Philippa Georgiou (Michele Yeoh), ela se vê em um caos onde acaba colocando a tripulação inteira em risco, o que leva à morte de milhares de pessoas, inclusive Philippa.
Agora, vivendo como uma condenada a bordo da USS Discovery, ela é recrutada pelo enigmático capitão Gabriel Lorca para utilizar suas competências em prol de uma tão perigosa quanto ambiciosa missão.
E é aí que Michael têm que lidar com a culpa do seu passado enquanto tenta encarar uma nova realidade, um novo objetivo, e a companhia de uma nova tripulação – dentre eles, a divertidíssima cadete, vulgo alívio cômico da série, Sylvia Tilly (Mary Wiseman), o prisioneiro de guerra Ash Tyler (Shazad Latif) e o oficial de ciência irritante de bom coração Paul Stamets (Anthony Rapp). Além disso, ela reencontra o antigo colega de tripulação Saru (Doug Jones), que agora é seu comandante.
2. Os klingons
Os klingons, adversários frequentes no decorrer da franquia Star Trek, são os principais vilões desta trama. Sem dúvida, temos aqui a representação mais realista já feita dos bizarros alienígenas – a maquiagem, a sonoridade de suas vozes, a caracterização de seu planeta – tudo feito de maneira absurdamente competente.
O poder da telecinese que os monstros possuem assume formas ainda mais bizarras quando sabemos a maneira pela qual uma klingon em particular se apossa de um humano, num dos grandes conflitos da série.
3. Representatividade
A representatividade social é notória na concepção dos personagens e na escalação dos atores .Se a saga já era conhecida por consistir numa visão idealizada do futuro da humanidade, através da Enterprise, que apresentava-nos uma tripulação formada por pessoas das mais diferentes etnias e seres das mais diferentes raças alienígenas, aqui a diversidade se mantém.
E se a série original ficou conhecida por mostrar o primeiro beijo inter-racial da História da TV (o Kirk do branco William Shatner e a Uhura da negra Nichelle Nichols), aqui na série “Discovery” temos uma protagonista negra – Michael – e uma capitã asiática – Georgiou – na nave Shenzhou, além de um latino – Ash Tyler – um casal homossexual – Paul Stamets e Hugh Culber – e uma mulher branca e ruiva, porém sem nenhum sex appeal e com direito a uma espinha visível na testa – a cadete Tilly – na Discovery.
4. Enigma
Tornei-me um trekker muito recentemente, através dos filmes de J.J Abrams. Portanto, como um trekker de primeira viagem, não posso comentar muito sobre outros personagens da franquia.
As minhas experiências com a saga se resumem aos dois primeiros filmes do reboot de J.J Abrams: “Star Trek” e “Star Trek: Além da Escuridão”; alguns episódios da série clássica; o romance “Portal do Tempo”, e agora, a série “Discovery”.
Mas o que posso dizer desta modesta experiência é que o personagem Gabriel Lorca, sem dúvida, é um dos mais deliciosamente complexos que já vi na saga. Você nunca sabe se ele é, de fato, um vilão, um mocinho, ou um ser humano simplesmente comum, cheio de falhas e virtudes, que age pela ambição – até chegar aos últimos capítulos.
5. Temas
O ponto alto da temática da série é abordar de maneira simultânea a questão da viagem no tempo e a questão da existência de uma realidade paralela, em que lidamos com novas versões dos personagens e revelações novas dos personagens originais. Confundiu um pouco? É assim mesmo.
O plot twist de “Star Trek: Discovery” pegou tanto o público de surpresa que foi um dos assuntos mais comentados da internet durante um tempo. Destaco o episódio 7, que funciona perfeitamente de maneira individual. É neste que se apresenta a viagem no tempo, e, na minha humilde opinião o mais… divertido da temporada.
Michael desenvolve-se de uma maneira tão orgânica que é impossível não se identificar com ela. Ao final da série, os direitos humanos de uma versão utópica da sociedade entram em embate com a tirania de um sistema primitivo e opressor.
6. Redenção
Apesar da carreira um tanto irregular do roteirista e produtor Alex Kurtzman, com certeza, “Star Trek” constitui o magnum opus de sua obra. Responsável pelos dois primeiros filmes da saga dirigidos por J.J Abrams, em “Discovery”, sua assinatura como produtor executivo absorve a qualidade dos filmes, inclusive preservando certas características da direção de Abrams, como o famoso efeito “lens flare”.
“Discovery” não só consiste na redenção de um produtor (que quer esquecer que dirigiu “A Múmia” (2017) e escreveu “Transformers”), como também a de uma saga que, após perder a popularidade no final do século passado, foi ressuscitada com louvor por J.J Abrams, e volta à TV (se você tiver Netflix…) de maneira ainda consistente.
Com personagens fascinantes, roteiros inteligentes, temas com dilemas morais e existenciais (que sempre foram o trunfo da saga) e o progresso científico, efeitos especiais soberbos, e a dose certa de ação (sem aquele soco de mão dupla tosco da série clássica…), aventura e drama, “Star Trek Discovery” é uma ótima pedida para novatos que querem começar a adentrar esse universo fantástico criado há meio século atrás.
Sendo assim, como diria Spock, é bastante “ilógico” que você não vá querer assistir “Star Trek: Discovery”.
OBS: A legenda pode ser ativada no idioma klingon… Mais nerdice, impossível.
Vida longa e próspera à série, à franquia, e à humanidade.