Como corri de torcida organizada, fui ameaçado na TV e consegui empregos inusitados, graças à minha paixão por futebol.

E aí, beleza? Aqui é o Thiago. E hoje vou contar como um nerd quatro-olhos que mal sabe chutar uma bola quase apanhou em estádio, foi acusado de hackear o Twitter da CBF, aparece em um vídeo no canal da FIFA e foi ameaçado de processo pelo presidente da Federação Amazonense de Futebol, na TV. Mas, sobretudo, como torcer pra um time pode ser tão emocionante quanto assistir ao último capítulo de Game of Thrones.

Uns dias atrás gravamos uma participação no Zappeando, da Rede Amazônica, sobre Nerds, Geeks e suas sub-classes, como o Nerd de Cinema, Nerd da Internet, Nerd Otaku… e de repente a apresentadora falou de um que ela achava o mais “bizarro“: o Nerd Esportivo, que sabia tudo sobre determinado esporte “mas não pratica, gente! Comassim??“. Fiquei na minha, mas pensei: “eu já fui esse cara“. Pois é, eu já gostei PRA CARAMBA de futebol, mas, como meu físico pode atestar, não jogo.

   “Tinha um pôster do Romário no armário, mas jogava bola mal pra caralho” – Brazuca – O Pensador, Gabriel    

Não que eu não tivesse tentado. Cresci jogando bola com meu irmão e primos. Mas eu era tipo o Zé Batalha: “tinha um pôster do Romário no armário, mas jogava bola mal pra caralho“. Cheguei até a participar de campeonatos e, em um deles, eliminei meu time com dois gols contra. Depois disso eu fui parando de tentar. Mas a paixão pelo futebol continuou lá, e eu acompanhava o Flamengo em todos os jogos (na TV e no rádio, claro). Apenas uma vez vi um jogo do Flamengo no estádio, e não foi em Manaus. Nem no Rio de Janeiro, mas em Porto Alegre.

425939_10150598758954227_1130692533_nEm 2007 essa era uma boa qualidade de foto para um celular.

“Fui perseguido e cercado por cerca de 20 gremistas na saída (…) eu resistia e minha esposa gritava pela polícia”

A minha esposa e sua família são do Rio Grande do Sul e, em uma das vezes em que estive lá, resolvi assistir um Grêmio x Flamengo no Estádio Olímpico pelo Campeonato Brasileiro de 2007. Puta erro. Não só o Flamengo perdeu de 1 a 0 com um gol contra do Irineu (você não sabe e nem eu), mas ainda fui perseguido e cercado por cerca de 20 gremistas na saída, que tentaram tirar minha bandeira e minha camisa do Fla enquanto eu (burramente) resistia e minha esposa (então namorada) gritava pela polícia que, por sorte, chegou logo descendo o sarrafo e escapei. Ainda lá no RS cheguei a assistir alguns jogos do time da cidade da minha esposa, o Cerâmica Atlético Clube de Gravataí, dos jogadores Churrasco, Suco e Bolacha. Tenho camisa e boné do Cerâmica, inclusive.

É claro que eu gostava de ir ao estádio pra acompanhar também o futebol local. Assisti a final da Copa Norte de 2001 no Vivaldão e vibrei (aliás, senti o estádio vibrando, achei que ia cair) quando o São Raimundo foi Tricampeão em cima do Paysandu-PA (tenho guardado o pôster que saiu no jornal A Crítica até hoje). Acompanhei ainda toda a gloriosa campanha do América-AM na Série D de 2010 e tive inúmeras decepções com meu querido Nacional.

430209_10150598758119227_604267005_nCom camisa da Marvel ao lado do verdadeiro Capitão América, seu Amadeu Teixeira.
Tente ignorar a zona que é meu cabelo, pois será um problema recorrente em todas as fotos.

“Eu era tão viciado que cheguei a criar e publicar patches para o jogo, com times amazonenses completos.”

E o que eu não podia fazer em campo eu fazia no futebol de botão, onde cheguei a manter um elaborado sistema de contratações e campeonatos, e, claro, no videogame, desde o Futebol Brasileiro 96 (mod paraguaio do International Soccer) do SNES ao Brasfoot, um jogo de PC em que você simplesmente não joga futebol, apenas escala o time, monta o esquema tático, faz contratações e torce pra dar certo em partidas simuladas que você nem assiste. Eu era tão viciado que cheguei a criar e publicar patches para o jogo, com times amazonenses completos (2009 e 2010). Pra você entender o trabalho que dava: eu tinha que procurar em jornais impressos a ficha técnica dos jogos, conferir o Boletim Informativo Diário da CBF para ver as contratações e as informações sobre os jogadores, e descobrir por aí coisas como posição e até a perna dominante de cada um deles. O problema é que, na época, havia uma dificuldade enorme de encontrar informações precisas, com os clubes praticamente sem presença online e os jornais publicando informações que, além de poucas, chegavam a ser até contraditórias.

Esse foi um dos motivos pra eu criar um portal sobre futebol amazonense, que reunia informações, notícias e história dos times. Como não havia nada do tipo aqui, o portal cresceu rápido e se tornou referência para torcedores, jogadores e dirigentes. Entrevistei e conheci caras como o Lima (ex-São Paulo e Roma-ITA) e o Alemão (ex-Seleção Brasileira), recebi elogios e ameaças, o Fast Club já quis me processar por uma notícia que dei e depois tentou me contratar. Cheguei a trabalhar brevemente como assessor de comunicação do Rio Negro, a convite de um conhecido, durante a vexatória passagem de um dirigente vindo de Portugal, que chegou prometendo excursões a Europa, trouxe um treinador português (Paulo Morgado, um bom técnico, pra ser justo) e o o ex-jogador Jardel, aquele que cunhou uma das mais épicas frases do nosso esporte: “Clássico é clássico e vice-versa”. Nessa época, dei declarações a um jornal, como porta-voz do clube, que foram totalmente tiradas de contexto, e aprendi a abrir o olho com jornalistas. Mas o pior estava por vir.

jogadoresTietando Alemão, Lima e Jardel.

   

“Um belo dia acordo e recebo uma avalanche de mensagens me perguntando como eu havia hackeado o Twitter da CBF.”   

Algum torcedor revoltado com a derrota do América-AM no STJD –  o time havia perdido no tapetão o acesso para a Série C – invadiu o Twitter da CBF e, entre outras coisas, colocou um link para o meu site. Some-se a isso o fato de que eu era um dos caras mais revoltados e barulhentos nessa história da eliminação, tive um trabalhinho pra convencer todo mundo de que não fui eu. Mas nada perto do que aconteceu depois.

Copa do Brasil de 2012. Nacional jogaria em casa contra o Coritiba-PR. Torcedores nacionalinos fazendo fila nas bilheterias pra garantir seu lugar. De repente, um deles, mais atento, percebe algo estranho na arte do ingresso que acabou de comprar: onde deveria estar a marca da Federação Amazonense de Futebol, havia uma imagem que dizia “Futebol Amazonense Fraco”. Esse cara publicou a foto na internet e a bomba explodiu. Bem na minha cara.

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E não é que a repórter chega querendo saber como eu havia SABOTADO os ingressos da Copa do Brasil? (…) O presidente da Federação ameaçou me processar.

Pois é, quando descobri o ocorrido, confesso que achei bastante engraçado. Algum idiota de uma gráfica havia procurado a marca da FAF e encontrado, no meu site, uma marca que fiz como forma de sátira para criticar a federação, algo que eu fazia com bastante frequência. Meus amigos que acompanhavam futebol também acharam hilário. Eis que uma repórter entra em contato comigo, querendo uma entrevista sobre o ocorrido. Já desconfiado, invento uma dor de garganta e peço pra ser por escrito. E não é que a repórter chega querendo saber como eu havia SABOTADO os ingressos da Copa do Brasil? Ela havia investigado minhas ações nas redes sociais e desenvolvido uma teoria de que eu havia, em forma de código, dado dicas sobre isso dias antes e dado um jeito de de ridicularizar o futebol do Amazonas em escala nacional. Dá pra ler a conversa aqui. O pior é que, mesmo eu negando, fizeram a matéria pra TV mesmo assim, tirando uma das minhas respostas de contexto e deixando a dúvida no ar. O presidente da Federação (que também é um dos donos desse grupo de comunicação) ameaçou me processar.

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Eles queriam que eu pagasse R$ 500 por cada foto. Eu tinha usado umas mil.

Outro perrengue que passei foi quando esse mesmo grupo de comunicação entrou em contato comigo pra me cobrar por todas as imagens que utilizei deles sem autorização. E eles tinham razão: amador, inexperiente e despreocupado, eu pegava imagens no Google pra ilustrar as publicações do site, sendo que a maioria de portais de notícias locais. Vacilo. Pois é, eles queriam que eu pagasse R$ 500 por cada foto. Eu tinha usado umas mil. Faça as contas e descubra o tamanho do meu desespero. Conversei com eles, falei que era um pobre estudante, que o site não tinha fins lucrativos e, no final, tive apenas que apagar todas elas. Ufa!  

Ganhei a oportunidade de acompanhar, como tradutor, uma equipe de produção britânica que veio a Manaus para filmar documentários para a FIFA.

Mas o contato com jornalistas não foi sempre ruim, também teve muita coisa boa. Fiz amizade com vários deles e não apenas localmente. Dei entrevistas e fui contatado por gente da ESPN, do SporTV, da Revista Placar, gringos do The Guardian e outros, e até uma Revista VIP eu recebi de cortesia lá em casa por ter ajudado um dos jornalistas deles em uma matéria (afinal, é pelas matérias que se lê a Revista VIP). Em um desses contatos que o site recebia diariamente,  ganhei a oportunidade de acompanhar, como tradutor, uma equipe de produção britânica que veio a Manaus para filmar documentários para a FIFA (eu apareço por alguns segundos em um deles, procura aí), antes da Copa do Mundo no Brasil. Foi uma experiência sensacional, não apenas por poder entrar em todos os lugares (treino dos clubes, estádio, entrevistas) like a boss, mas por ter conhecido os caras, em especial o cinegrafista David Peters, que já trabalhou em filme do Jet Lee (!) e o jornalista Merdahd Masoudi, um iraniano naturalizado canadense, engraçadíssimo e apaixonado por suco de cajá, que fez parte da Federação Canadense de Futebol e já foi na casa do Ricardo Teixeira colocar dinheiro no cofre pessoal dele, pro Brasil fazer amistoso contra o Canadá na década de 90. Quantas histórias incríveis do mundo inteiro esses caras tinham.

148732_10150811129164227_1357270497_nDavid e Masoudi, great guys.

Dias depois eu estava em São Paulo na F.Biz, uma das maiores agências digitais do país, em uma reunião com o marketing da Heinekein.

Outro fruto muito positivo que colhi do trabalho no blog foi o melhor ‘bico’ da minha vida. Um grande cara chamado Fred Fagundes que, na época, fazia parte do sensacional portal Papo de Homem, descobriu meu site e me mandou um e-mail perguntando da minha disponibilidade para produzir conteúdo pra uma marca de cerveja nacional. Topei na hora. Dias depois eu estava em São Paulo, na F.Biz, uma das maiores agências digitais do país, em uma reunião com o marketing da Heinekein sobre a Cerveja Kaiser, que ia lançar uma fanpage no Facebook que teria o diferencial de publicar conteúdo específico (geolocalizado) pra 5 capitais, sendo Manaus uma delas. Por ser redator publicitário e manjar de futebol, o job me caiu como uma luva. Esse projeto durou dois ótimos anos (até a Cerveja Kaiser mudar de agência), e não apenas me abriu várias portas no mercado  como também me proporcionou o enorme prazer de trabalhar com gente FODA de vários lugares do Brasil.

418044_10150609098754227_1999287625_nVisitamos a fábrica da Heinekein e, ao final, a surpresa: Open Bar \o/

Uma das coisas mais legais desse job foi poder falar de futebol amazonense na fanpage da Kaiser. Tenho orgulho de ter ajudo bastante a fomentar a paixão pelo futebol local, não apenas pela fanpage, que alcançava muita gente e deixava os torcedores se achando, mas também pelo site, que estava lá divulgando nossa paixão antes de haver qualquer informação sobre nossos clubes na internet. Quando eu abandonei o site, os portais de notícias da cidade já haviam visto que havia interesse no assunto e passaram a publicar as notícias no nosso futebol online diariamente.

Eu abandonei o site porque já estava de saco cheio. Tanto de mantê-lo – afinal, dava trabalho pra cacete e eu fazia tudo sozinho – quanto da politicagem, do amadorismo dos dirigentes, de discutir com torcedores cabeça-dura e de tudo de podre que acontece nos bastidores. E não só com relação ao futebol amazonense. Toda vez que entro em um site de notícias, seja sobre o Nacional, sobre o Flamengo, sobre o Cerâmica ou sobre o Arsenal, eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades, como diria Cazuza. É sempre a mesma coisa, as mesmas notícias, os mesmos problemas, as mesmas promessas e as mesmas decepções. Então parei de acompanhar futebol pelo mesmo motivo que não leio quadrinhos serializados da Marvel ou da DC: são sempre as mesmas histórias, os mesmos personagens, as mesmas tramas, mudando apenas uma coisa ou outra, e a história não acaba nunca. Continuei torcedor, mas passei a observar de longe.

Apesar disso… basta assistir, sem querer, um lance genial do Zico, aquele gol do Petkovic na final do carioca de 2001 ou ver uma chamada para o próximo jogo do Naça, que o coração dá aquela acelerada. Como quem reencontra na rua, sem esperar, aquele amor que nunca superou.

É isso galera. Peço desculpas pelo textão sobre futebol nesse espaço nerd, mas tenho certeza de que não sou o único aqui que aprecia o nobre esporte bretão. Se você também gosta, dá um alô aí e não esqueça de dizer qual seu time!

Um abraço,