Lia sabia que era observada por ele.
Pelo cara esquisito.
Não só sabia como também tinha medo.

Ficava se perguntando qual era o problema dele, porque ele nunca fazia uma transação de informação com ninguém e porque diabos às vezes ela o pegava a encarando daquele jeito.
Sabia que ele rabiscava em papéis, só não sabia o quê. Seus amigos cochichavam entre eles e com ela que ele deveria ser um transmissor de vírus, por isso nunca trocava o d-hand dele com ninguém, e que, na primeira oportunidade que ele a encontrasse andando sozinha em um corredor, ele conectaria o d-hand contaminado dele no pulso dela e passaria informações das quais ela nunca conseguiria se livrar e…
Se se deixasse levar pelos outros, só ficaria mais assustada. Já era ruim demais se deixar levar pelos amigos, era melhor não encher a cabeça com pensamentos inúteis. Deveria ter algum aplicável que a fizesse ignorar pessoas. Anotou mentalmente com uma caneta mental que deveria perguntar posteriormente das amigas, se havia algum assim.
A verdade é que ela tinha muita vontade de falar com ele. Não sabia bem o motivo, só sabia que a ideia também lhe parecia ridícula. O que teria uma pessoa assim a acrescentar? Pelo que sabia, ele não tinha amigos, não tinha colegas e obviamente, nem namorada. E então? Por que a curiosidade? Vai ver, em seu íntimo, ela sentia compaixão pelo tímido e deslocado garoto com quem ninguém trocava d-hand. De qualquer maneira, sempre que ela o via, logo ficava desconfiada. E curiosa.

“Mas que droga!” – Ela pensava. Deveria ter um aplicável pra inibir curiosidade também.

***

No fundo da piscina, ele a via com mais nitidez.

Seus cabelos vermelhos.

Suas sardinhas na pele.

Seus olhos…

Seu sorriso…

Seu cotovelo…

Sua gengiva…

Lembrou-se que aquela manhã ele ficara completamente constrangido, em parte porque ela estava constrangedoramente bonita, mas, principalmente, porque eles se olharam fixamente, olhos nos olhos, pela primeira vez.
Gostava de nadar na piscina da faculdade, pois lá, mergulhado no fundo, era onde conseguia visualizar todas as nuances do rosto de Lia, com mais clareza. Ali, na água, às voltas com a sua mente, Guilherme sentia vontade de usar um aplicável. Um que desses pra tirar fotos com os olhos. Se ele usasse, poderia capturar vários frames e assim, poderia fazer vários desenhos dela com mais facilidade. Mas sempre desistia da ideia, logo em seguida.
Acreditava que era melhor desenha-la sem nenhuma referência além da que tinha em sua memória.
De sua memória. Era mais digno. E bonito.
Às vezes, tinha a ilusão de que ela viria até ele, naquela pequena imensidão azul, nadando em sua direção, os cabelos vermelhos flutuando no éter, enquanto os raios de sol os deixavam mais brilhantes…
Era aí que Guilherme percebia que estava se afogando, então retornava o mais rápido possível para a superfície.

Estava cansado.

Cansado de ser solitário.
Cansado de não ser sociável.
Decidiu que falaria com ela.
Amanhã.
Ou algum dia.
Talvez.

No dia seguinte, ela veio lhe pedir um lápis.

– Poderia me emprestar um lápis, por favor?

– Oi?

– Um lápis. Você teria um lápis pra emprestar?

E voltou a se sentar em sua mesa. 


Todo Amor do Mundo Cabe em 8gb é um conto de ficção científica disfarçado de romance, ambientado em Manaus futurista (pero no mucho) e publicado semanalmente aqui, no Mapingua Nerd. Confira os capítulos anteriores aqui.