Apesar do nome, o Spoiler Pipoca não vai te dar spoiler (nem pipoca). Sente e aproveite.

Eu ouvi diversos bons elogios a Black Mirror e esperei um pouco para assistir, parte por falta de tempo e outra parte por ter feito uma pesquisa antes e descoberto que uma eventual terceira temporada estava confirmada, mas ainda sem data definitiva para ir ao ar. Alguns meses atrás, me rendi e finalmente assisti, em dois dias, os 7 episódios da série, contando com uma única certeza: que os elogios foram poucos e a série era bem mais que eu esperava.

As tramas da série contam com ideias simples que, bem trabalhadas, fazem um espetáculo único, começando pelo nome – o “Espelho Negro” é nada mais que as telas de nossos dispositivos tecnológicos, como celulares, notebooks e televisão (sim, você ainda usa a TV para assistir Netflix). O show trabalha com a certeza que um deslize pode nos levar para alguma das realidades exibidas em seus episódios.

Caso você chegou até essa parte do texto e ainda estranha eu não ter explicado o que é uma “série antológica”, que se encontra no título, aqui está: são séries que as temporadas (ou episódios) possuem um link em comum, porém contam com elenco e enredo completamente diferentes. Cada episódio de Black Mirror possui um elenco único, sempre envolvendo a tecnologia e como isso afeta nossas vidas. Mesmo que por vezes a tecnologia fique em segundo plano, o show consegue se mostrar com belos roteiros e episódios que prendem a sua atenção.

A série possui apenas 7 episódios, então fica fácil falar um pouco de cada um, claro, sem entrar em spoilers.


Episódio 1 – The National Anthem

Sinopse: O Primeiro-ministro inglês é chantageado por um criminoso desconhecido, que sequestra um membro da família real britânica e pede, como resgate, que o político se humilhe publicamente ao vivo na televisão.

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O primeiro episódio é também o mais corajoso da série. O Primeiro-ministro Britânico recebe uma proposta inusitada para que a Duquesa possa ser libertada de um sequestro, não é dinheiro e não é nada material, o sequestrador possui apenas uma exigência bizarra. Nesse episódio podemos notar que depois que um vídeo é solto no YouTube e faz sucesso, você dificilmente consegue tirar do ar apenas deletando do canal que fez o upload do mesmo, ou seja, o vídeo se espalha como vírus (viral) e várias mídias já fizeram o download para que possa ser exibido.

O maior foco é a televisão, onde pessoas ordinárias param as suas vidas para assistirem a resolução do caso, este que ganha destaque em todos os cantos. Um dos momentos que mais achei importante é quando, em meio a diversas televisões de led, uma bem antiga aparece – uma “televisão de tubo” -, sendo assim, podemos perceber o quanto a tecnologia sempre foi um fator extra e que prendeu os seus usuários conforme foi evoluindo. 

A maior ironia no final do episódio é mostrar 1 ano depois de todo o acontecimento envolvendo o sequestro e o Primeiro-ministro, onde vemos que o fato já foi esquecido e que as vidas ordinárias seguem normalmente, sendo igual a como vivemos hoje em dia. Notícias ganham popularidade explosiva e um mês depois nada mais é dito, nada é lembrado.


Episódio 2 – Fifteen Million Merits

Sinopse: Mostra um futuro próximo em que a raça humana vive em instalações informatizadas e precisa pedalar numa bicicleta ergométrica para gerar energia e, por sua vez, ganhar créditos – com os quais as pessoas conseguem alimento e diversão.

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Esse é o episódio queridinho pelos fãs. No segundo episódio temos a tecnologia a fundo, como a série prometia. Nesse futuro utópico, materiais já são quase inexistentes e é como se a vida fosse um game no qual você deve fazer pequenas missões para ganhar seus itens. No caso, onde os personagens devem pedalar para conseguir moedas válidas na sociedade em que vivem. Em seus quartos, as paredes de led mostram o comerciais e programas de TV – a vida virou um enorme anúncio do YouTube.

Nosso protagonista se destaca. Em um monólogo emocionante, consegue mostrar e falar tudo aquilo que nos ficou entalado na garganta ao ver o episódio. Ao final, novamente, mostra-se uma leve ironia: ao fundo podemos observar uma janela, mas surge o questionamento “seria uma janela ou apenas uma enorme TV de led mostrando uma bela paisagem?”.


Episódio 3 – The Entire Story of You – Season Finale da Primeira Temporada

Sinopse: Os seres humanos tem a opção de registrar todos os seus atos diário num chip implantado atrás das orelhas e revivê-los mais tarde em vídeo.

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Recentemente uma empresa anunciou a patente de uma lente de contato que vai conseguir fotografar. Não imagino como isso é possível, mas imaginei que seria algo extremamente útil na minha realidade em que o celular trava bastante.

Esse episódio trata exatamente sobre isso, mas de uma forma ainda mais avançada. As lentes de contato, implantadas no ser humano ao nascer, fazem com que tudo que um indivíduo observa fique armazenado no dispositivo, sendo assim, possuem acesso ilimitado às memórias e, de fato, é 100% confiável – a mente humana consegue mudar certas memórias, portanto, nesse caso, as memórias são gravadas e assim estarão intocáveis.

Ainda na questão de avanço, as pessoas podem conectar seus dispositivos em uma TV, como um chromecast, podendo assistir às memórias em grupo, o que naquela sociedade é algo extremamente normal.

Além da trama principal, que é uma das minhas preferidas, temos algumas partes secundárias bem importantes, como o fato da mãe utilizar o dispositivo do bebê para ver se a babá cuidou bem da criança. Também temos uma leve citação ao fato de religiosos e prostitutas preferirem não usar os dispositivos, e até mesmo o preconceito que uma pessoa passa por preferir não ser adepta a essa tecnologia.

No episódio vemos que as memórias gravadas podem ser importantes para que os personagens possam recordar bons momentos, mas também vem a ser uma maldição quando você se apega ao que já passou, ficando refém de sua própria visão.


Episódio 4 – Be Right Back

Sinopse: Uma garota que perdeu o namorado em acidente de trânsito fica obcecada por aplicativo que simula troca de e-mails e conversas com o falecido.

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Esse é um episódio triste, emocionante e bizarro também. Tentando ajudar no luto das pessoas comuns, uma empresa resolve criar um aplicativo que reúne todos os dados deixados na internet por determinado usuário, sendo assim, você poderia conversar com um amigo que já faleceu da mesma forma que conversavam antes.

O uso dessa inteligência artificial se torna um pouco mais aterrorizante quando o aplicativo começa a falar com a voz do falecido por ter registrado o upload de vídeos e áudios com a voz do mesmo. A protagonista em questão descobre que não quer passar o resto da sua vida sem o seu namorado e se torna cada vez mais refém do uso do aplicativo, chegando a entrar em desespero quando seu celular cai no chão, aterrorizada com a ideia de ter que dizer um adeus definitivo ao seu amor.

A parte mais bizarra é quando a empresa oferece um robô feito com material para imitar a pele humana e total estrutura do falecido. Se a protagonista aceita ou não, cabe a você descobrir assistindo ao episódio. Só resta uma leve certeza na mente do espectador: a aparência pode até ser a mesma, mas o modo de agir sempre será diferente.


Episódio 5 – White Bear

Sinopse: Mostra uma mulher desmemoriada acordando numa estranha sociedade em que as pessoas estão hipnotizadas por seus telefones celulares, onde é caçada por assassinos mascarados.

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Esse é o ápice da série. É a prova de que Black Mirror pode falar sobre qualquer assunto, trabalhar enrendo sobre qualquer coisa, que sempre será fantástico quando bem feito. 

Algo que eu devia ter explicado desde o início é que em Black Mirror sempre se explica tudo, e nesse episódio em particular, tenha paciência. Os roteiristas vão explicar tudo e vai ser maravilhoso. Esse é meu episódio preferido. A confusão do início é perfeita para que o espectador se entregue ao enredo e, no final, tenha uma experiência única envolvendo valores da sociedade e questionamento sobre justiça.

“Cada episódio tem um elenco diferente, um set diferente e até uma realidade diferente, mas todos eles são sobre a forma como vivemos agora – e a forma como nós poderemos viver em 10 minutos se formos desastrados.” – Disse Charlie Booker, criador da série.

Apesar de ser o meu episódio preferido, é o que eu menos posso falar sobre para não entrar em spoilers. A única coisa que posso dizer, como destacou o criador da série, é que o show trata de como podemos viver daqui a 10 minutos se formos desastrados, e nesse episódio isso se encaixa perfeitamente, pois vemos uma inversão de valores, – os humanos tiram fotos e fotografam tudo, como se todo o episódio fizesse parte de um circo, um show de horrores, ou até um zoológico.


Episódio 6 – The Waldo Moment – Season Finale da Segunda Temporada

Sinopse: Um sarcástico ursinho criado por computação gráfica – e manipulado por um comediante – acaba se tornando assustadoramente popular e começa a dominar o debate político com a proximidade das eleições.

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Talvez o episódio mais “fraco” da série, também é o mais atual. Criado por um comediante, Waldo se torna a visão perfeita para publicidade de um talk show, onde o comediante se encontra em questionamento pois vê que não tem mais uma personalidade própria – só consegue interpretar seu personagem por pura obrigação e não ganha reconhecimento algum por causa disso.

As pessoas gostam, aplaudem e incentivam que o personagem vire cada vez mais popular, chegando ao absurdo ponto de aceitarem que seria possível votar em um personagem animado para o cargo de presidente. As relações pessoais do protagonista são afetadas por conta de seu trabalho, ou seja, Waldo se tornou maior que o próprio humano.

O episódio nos traz questionamentos importantes, por exemplo, até que ponto o ser humano pode se render a invenções babacas por apenas diversão e entretenimento. Waldo é uma figura virtual que ofende os convidados em entrevistas e possui um vocabulário montado quase completo por palavrões. O que começou com o intuito de ser só uma brincadeira no fim assombra os concorrentes e até seu próprio criador.


Episódio 7 – White Christmas – Especial de Natal

Sinopse: Em uma cabana isolada, dois homens conversam durante uma manhã de natal, onde três histórias envolvendo o descontrole e obsessão tecnológicas entram em debate.

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A segunda temporada de Black Mirror se encerrou em fevereiro de 2013. Apenas em dezembro de 2014, a série retorna para um único episódio especial, e que episódio bom.

A primeira história apresentada é a de um homem galanteador que ajuda outros a paquerar mulheres por meio de uma lente de contato que faz transmissões ao vivo. A segunda história traz o mesmo homem da história anterior, mas agora explicando o seu trabalho, onde é criada uma inteligência artificial retirada do cérebro da própria pessoa, que pode realizar todas as tarefas de uma casa automática como se fosse a própria pessoa. A terceira história é a de um rapaz que foi abandonado por sua namorada de forma nada amistosa – por meio de uma tecnologia em uma lente de contato você pode bloquear as pessoas que deseja não mais ver, sendo assim, a pessoa bloqueada vira um eterno borrão.

O episódio de Natal é um dos mais longos da série e consegue se manter excitante durante todo os seus 80 minutos. Aqui, como em boa parte dos episódios, a tecnologia acaba virando um segundo plano. A história, claro, se passa somente devido as tecnologias, porém o enredo é bem mais que isso. Nesse episódio são envolvidos temas como homicídio, separação, traição, morte e insanidade. É a mistura perfeita que faz de Black Mirror uma das melhores séries atuais.


E quando a série volta? Volta em 2016, por meio de um pequeno fato que eu não contei pra vocês durante a postagem: agora a série é original da Netflix.

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