Atenção: Esta é a 25a. parte do Revoadas do Uirapuru. Para ver todos os outros capítulos de Revoadas do Uirapuru, clique aqui.
Revoadas do Uirapuru – Contos na Paris dos Trópicos
Parte 25: Heitor e a Árvore da Vida
Manaus, 16 de julho de 1992
Heitor estava na Ponta Negra sentado na areia, olhando o pôr do sol. Tentando entender o que fazer de sua vida. Beirava seus vinte e cinco anos e tinha um emprego comum em uma loja de sapatos. Ele sempre achava estar vivendo no momento errado.
Jamais se encaixou em nenhum curso que fez ou se quer em um emprego que tenha trabalhado. É como se estivesse sempre esperando que algo grandioso acontecesse. Pelo menos era assim que ele preferia acreditar para justificar todos os fracassos de sua vida.
Vivia sempre a sensação de estar vivendo na época errada. Não se adaptava a vida comum de estudar, trabalhar, casar, ter filhos, envelhecer, se aposentar e esperar a morte chegar. Ele sentia que aquilo não era para ele… Como se não fizesse parte do comum, do ordinário.
Seus pais o chamavam de vagabundo o tempo todo e o pressionavam a trabalhar logo que completou dezoito anos. Não demorou muito para pressioná-lo a tomar um rumo na sua vida quando trancou seu terceiro curso na universidade. Antes dos vinte já estava morando sozinho em uma quitinete no Bairro do São Jorge.
E todos os dias que podia ele ia para a Ponta Negra observar o pôr do Sol como o fazia naquele exato momento. A praia estava praticamente deserta. Poucas pessoas estavam por ali naquela quinta-feira. Exceto por uma moça que aparentava ter sua idade. Estava a menos de vinte metros dele e parecia igualmente perdida.
Ele nunca foi de dar em cima de nenhuma garota ou até mesmo conversar com desconhecidos(as). Mas ela era tão bonita: Branca, caucasiana, magra, de cabelos loiros longos e ondulados. Tinha traços delicados no rosto. Ela usava um vestido florido de verão e parecia não se importar em sujá-lo. Tinha expressões fortes nos olhos. Era fácil deduzir que tinha personalidade forte e não se importava com a opinião dos outros em caminhar sozinha e toda suja de areia. Embora fosse fácil perceber que nada disso tirava sua beleza.
E isso o intrigava. E o impelia a falar com ela. Não sabia dizer se estava movido pela sensação de que algo lhe dizia que era seu destino falar com ela ou se era apenas a voz do desespero em fazer algo diferente em sua vida. Se arriscar por alguma coisa pelo menos essa vez.
Ele se aproximou.
– Hoje está um pôr do sol belíssimo! – Ele tentou iniciar uma conversa.
– E não são todos? – Ela respondeu sem muito ânimo.
– Não. Nenhum é mais bonito como o de hoje.
– E por que você acha isso?
– Porque você está aqui. – Heitor se tremia por dentro. E ao mesmo tempo estava seguro. No máximo que poderia acontecer era ele levar um fora e seguir sua vida normalmente. Estava mais acostumado a rejeição do que imaginava.
Ela sorriu involuntariamente por dois segundos antes de fechar-se novamente. Durante toda sua vida, independente da realidade que tivesse, até seu último dia, seu último sopro de vida, aqueles foram os dois segundos preferidos de Heitor.
– Eu me chamo, Laís – Ela tocou a areia ao seu lado sinalizando para que sentasse. E assim eles conversaram por horas. E pareceu aos dois que conversaram por séculos. O tempo ali parecia ser irrelevante e corria de forma especial pros dois. Eles conversaram sobre tudo e descobriram ser mais parecidos do que imaginavam. E aos poucos ela se abria mais a ele. Se sentia mais leve cada vez mais. Não demorou muito para contar coisas que não contava a ninguém.
Despediram-se um pouco antes da meia noite. Ambos precisavam voltar às suas vidas. Embora precisassem de uma pequena desculpa para permanecerem ali até o dia amanhecer. Mas combinaram de se ver no dia seguinte. Ele a ajudaria a fazer algumas compras. E quando se despediram eles se entreolharam e sabiam que nunca mais ficariam mais de algumas horas separados até o fim de suas vidas.
Manaus, 17 de julho de 1992 – 2ª. Realidade
Heitor se aproximava do Supermercado Hiper C.O. no horário combinado. Viu que a poucos metros da entrada, uma multidão se aglomerava na frente do supermercado. Todos os clientes e funcionários haviam parado suas atividades para entender o que estava acontecendo. Curioso, ele se aproximou para ver o que era. Parecia uma pessoa no chão, uma mulher. Se aproximou mais e quando abriu espaço suficiente para ver a mulher com clareza, viu que era Laís.
Ele caiu de joelhos no chão. Seu corpo inteiro formigava e não respondia. Estava em choque e não conseguia raciocinar plenamente. Se jogou em direção a ela e tentou sentir sua respiração. Mas ela estava morta. Tocou a mão dela com carinho, mas sem retorno.
Por um instante, tudo que ele queria era que ela apertasse sua mão de volta. Ele estava perdido. Jamais havia amado alguém instantaneamente. Ela era apenas a mulher que ele conheceu ontem, mas sentia uma dor profunda no peito que o dilacerava por dentro como se ele a tivesse amado por uma vida inteira.
Ele não sabia o que fazer. Não sabia onde ela morava ou onde moravam seus pais. Não sabia o que fazer. Não sabia para quem ligar e informar. Não entendia como ela poderia ter morrido. Ele sentia que havia encontrado a mulher de sua vida, não era possível que a perdesse assim.
Ela havia se tornado a razão, a sua esperança em lutar por uma vida melhor.
Ela era a resposta que ele tanto procurava. Não podia simplesmente voltar à sua vida. Não poderia voltar ao tédio e a sensação de não pertencer a lugar nenhum. Não poderia simplesmente continuar inerte à vida. Indiferente a tudo como sempre foi. Heitor percebeu que não conseguiria voltar à normalidade depois de conhecer e ter em suas mãos tudo aquilo que mais quis um dia. Ele sabia que era um caminho sem volta.
A ambulância chegou e a levou. As pessoas voltavam aos seus afazeres. Tudo parecia voltar ao normal como se nada tivesse acontecido, mas não para Heitor, ele não voltaria. Começou então a correr com toda sua força o mais rápido que podia, fechava os o olhos e não se importava com nada mais. Estava se entregando cegamente ao seu destino.
Até que não sentia mais o chão. Não estava mais correndo e abriu os olhos para ver o que tinha acontecido: estava flutuando, caindo levemente. Não estava mais no estacionamento daquele supermercado, estava flutuando. Do alto de onde estava, podia ver até o horizonte preenchido por uma vasta floresta para todo o lugar que olhasse.
Mas à sua direita havia uma árvore gigantesca. Seu caule devia ter quase cem metros de diâmetro e galhos que se estendiam até o firmamento. Era magnífica e incrivelmente bela. Heitor já não olhava mais nada além daquela árvore. Seus galhos eram vigorosos e largos, suas folhas tinham o verde mais vivo que já havia visto em toda sua vida.
Tocou o chão e ainda admirava aquela árvore. Achava que havia morrido e aquilo era alguma espécie de paraíso. Mas seus pensamentos foram interrompidos quando ouviu passos vindo atrás dele.
– Você não está morto- Uma voz masculina e imponente se dirigia a Heitor que rapidamente se virou para ver quem era: Um homem encapuzado com vestes acinzentadas olhava para ele.
– Sei que tens perguntas, então irei me adiantar: Você não está morto embora não esteja no seu corpo. Eu trouxe sua… alma para este lugar. E esta é a Árvore da vida. Mas você não está no Jardim do Éden. – o homem riu e continuou – Essa árvore é a essência do mundo é o que dá vida a ele e eu sou seu guardião. Possuo vários nomes, mas seus índios me chamam de Yamandú. Sente-se, tenho uma história para contar a você. – Heitor sentou para ouvir o homem.
– Há muito… muito tempo, nós vimos que o homem causaria a destruição deste mundo. Guiados por um grande mal inominável, vimos sua ameaça e assim o pássaro Uirapuru escolheu três deuses para intermediar esse mal: Eu, Tupã e Anhangá, representando o espaço, o tempo e todos os seres vivos que vagam pela terra. E assim foi decidido que cada um usaria seus poderes para abençoar alguns humanos escolhidos. E o que você precisa saber é que Tupã abençoou seus escolhidos com a capacidade de vagar pelo tempo. E assim os chamou de Wanders. Permitindo-os ir para o passado ou futuro alterando os acontecimentos de forma a salvar o mundo em que vivemos. Mas houve quem usasse esse poder com outros propósitos. E é aí que você, Heitor, entra nessa história. Você estava destinado a encontrar Laís e vocês seriam felizes até o último dia de suas vidas. Mas alguns Wanders fizeram com que vocês nunca ficassem juntos. Eles brincaram com seus poderes, usando-os despreocupadamente, e como consequência de seus atos, eles criaram uma segunda realidade e nessa, Laís morria no dia em que vocês se encontrariam.
Heitor ouvia atentamente buscando digerir tudo aquilo. Era informação demais para ele e ele se esforçava ao máximo para compreender. E Yamandú continuou.
– Eu preciso que você seja meu escolhido, lhe darei poderes para voltar no tempo e para fechar os acessos que os Wanders usam para vagar. Isso precisa acabar. Os Wanders precisam deixar de existir.
– E por que você mesmo não faz isso? – Heitor indagou.
– Porque não podemos interferir diretamente. Ironicamente o mundo não resistiria a nossa interferência… Só vocês, que vivem nesse mundo, podem mudá-lo.
As palavras de Yamandú começavam a fazer sentido para Heitor e ele viu a oportunidade de salvar Laís e se vingar dos seus assassinos.
Yamandú apontou a árvore para Heitor e conforme ele tocava suas folhas, começava a ver tudo que havia acontecido: ele e Laís juntos, o nascimento de Milena, a morte de Heitor, o nascimento de Enis, a morte de Enis, o sacrifício de Milena ao matar Laís. Viu também como Milena foi manipulada por Helena. Todos os acontecimentos passavam pela sua mente como um filme.
Quando Yamandú terminou, Heitor estava chorando. Ele não conseguia se controlar diante de tanta dor e tanto sofrimento causado por esses Wanders. Ele precisava voltar, salvar sua família e exterminar todos os Wanders existentes. Heitor enxugou as lágrimas perguntando a Yamandú:
– Você me dará poder suficiente para consertar tudo isso?
– Te darei bem mais poder que você precisa. acredite.
Manaus, 17 de janeiro de 2021 – 3ª. Realidade
O velho índio caminhava lentamente em direção ao pé de taperebá próximo ao que restou da Sede Wander. Ao lado da árvore, o homem encapuzado o aguardava. Helena já havia sumido. Heitor, Liam, Júlia… Todos estavam mortos.
– Contemplando o estrago que você causou? – o velho índio perguntou.
– Isso precisava acabar. – Yamandú respondeu prontamente.
– Mas não precisava envolver tantas vidas – Um cervo com olhos flamejantes se aproximava surpreendendo os dois.
– TODOS NÓS sabemos que precisava envolver todas essas vidas, sim. – Yamandú respondeu ao cervo.
– Mas e agora? O que faremos? Todas as passagens para o presente e passado foram fechadas. Não existe mais nenhum Wander ou Psiônico para lutar pelo mundo por nós. – indagou o velho índio.
– Não se preocupe. Eles encontrarão uma maneira… – Yamandú respondeu.
– Como você pode estar tão confiante? – Perguntou o cervo.
– Eu apenas sei.