Atenção: Esta é a 22a. parte do Revoadas do Uirapuru. Para ver todos os outros capítulos de Revoadas do Uirapuru, clique aqui.

Revoadas do Uirapuru – Contos na Paris dos Trópicos

Parte 22: A Benção do Uirapuru

Manaus, 17 de janeiro de 2021

Tudo estava completamente escuro ao redor de Liam.

Ele era a única luz no lugar, embora não tivesse forma definida. Ele era apenas uma faísca de luz. Era apenas sua mente… Perdida em algum lugar que nunca esteve antes.

Em um instante, estava em um deserto sem sol, embora tudo estivesse perfeitamente iluminado. Agora tinha forma humana, era a projeção mental do seu corpo e estava sentado no último degrau da escadaria de uma grande pirâmide asteca. Era a principal de treze pirâmides. Sendo a única intacta. As doze menores estavam em ruínas.

Atrás dele, da entrada da pirâmide, uma mulher magra, alta, branca, de cabelos compridos e azuis perfeitamente lisos, usava um vestido de guerra asteca listrado das mais variadas cores. Joias reluzentes brilhavam de seu colar. Tinha ombreiras douradas em forma de cabeças de águia voltadas para seus lados.

Nesse momento ficou claro que estava na mente de Julia. Ela se aproximou dele, tocou seu rosto e abriu um leve sorriso.

– Fico feliz que tenha conseguido salvá-lo, Liam. É tão bom revê-lo.

– Como você me salvou? Psiônicos não podem mover mentes. Principalmente mentes de Wanders. Essa é uma das regras naturais da nossa interação. O poder é exclusivamente telecinético. Restringindo-os a usar a mente para movimentar objetos. Os mais poderosos conseguem moldar elementos básicos como água, fogo, terra e ar permitindo no máximo criar barreiras mentais.

– Liam, eu não sou uma psiônica comum. Eu nasci apenas com o propósito de proteger um único artefato. Algo que permite a um Wander ter poderes extraordinários. Até hoje apenas Milena conseguiu. E foi com esses poderes que ela conseguiu derrotar sua mãe.

– Então é muito simples: me dê esses poderes e serei capaz de consertar tudo.

– Não é tão simples. Entenda. Eu sou apenas a portadora desse poder. Mas tive que tomar o que restou dele antes que tudo fosse destruído. Liam, eu sou um experimento. Uma criatura humana criada pelo conselho Wander. Eu e o poder que guardo estão diretamente ligados aos sete Conselheiros Wanders. E Helena é a única que está viva. Todos os seis estão mortos… E… meu deus, Liam… Até o Primeiro morreu…

– COMO ASSIM TODOS ESTÃO MORTOS? EU SOU O ÚNICO QUE SOBROU? PORQUE NÃO SALVOU OS OUTROS? PORQUE NÃO VOLTOU NO TEMPO E IMPEDIU TUDO ISSO?

– Calma, Liam. Eu vou explicar. Helena e os seus outros três cavaleiros ainda estão vivos. Mesmo que contidos em poder do Pai de Enis e Milena. Com a morte dos seis conselheiros, perdi boa parte do poder que guardava. Usei o pouco que sobrou para mim e assim consegui salvar você. Não cabe a mim usar esse poder. E tive que pagar um preço alto, mesmo sendo apenas uma pequena fração que sobrou. – Julia então continuou – Em 2015, no momento seguinte em que vocês vagaram para salvar Helena, o Pai de Enis e Milena invadiu a Sede e matou os demais e levou seus corpos. Mas ele só estava começando… Em seguida, ele foi até nossa Sede Psiônica e matou a todos da mesma forma, levando vivos apenas os quatro que usaria para receber vocês hoje. Descobri algum tempo depois quando fui às Sedes e vi os corpos destroçados. Tentei entrar em contato com os demais conselheiros dos outros países. Esse homem… Ele matou todos os Wanders do mundo inteiro em um único dia. Passei todo esse tempo tentando entender porque vocês foram poupados. Mas você sabe que não é por um bom motivo.

– E o que você fez nesses seis anos?

– Desde de 2015 que eu tento vir para essa data. Mas não consegui. É como se existisse um bloqueio. Tentei vagar durante muito tempo… ir para qualquer outra data, mas não consegui. Na minha última tentativa, em 2016, eu quase fui descoberta. Esse homem conseguiu chegar bem próximo. Quase a ponto de descobrir onde estava escondida e aprisionar minha mente. Escapei por pouco. Então resolvi não usar mais meus poderes. Permaneci escondida por todos esses anos, esperando o momento que vocês chegassem para tentar interferir no tempo real. Mas ele havia escondido armadilhas mentais dentro dos corpos dos psiônicos que vocês possuiriam. E para não chamar muita atenção, me concentrei apenas em você. Para que pudesse resgatar você dando a ele a impressão de que você havia morrido.

– Eu entendo. Você tomou a decisão correta. Se tentasse salvar os quatro, acabaria se expondo ao inimigo fazendo-a ser capturada. Mas agora precisamos pensar em algo e logo. Se formos até lá dessa forma, seremos capturados. E somos os únicos que sobraram, não existe mais ninguém que pode nos ajudar…

– Talvez não exista mais “ninguém” que possa nos ajudar, Liam. Mas talvez exista “alguma coisa” que ainda restou.

– Não estou entendendo, Julia.

– Pois veja… – Julia sentou ao seu lado e fechou os olhos.

Alguns instantes depois ele viu ao longe um pequeno pássaro vindo em sua direção.

– …é…o Uirapuru? – Liam estava surpreso em vê-lo e mais surpreso ainda pela capacidade de Julia em chamá-lo.

O Uirapuru pousou no braço esquerdo de Julia movimentando-se em pequenos pulos até a ponta de seu dedo, parando em seguida. E os dois ouviram uma voz feminina suave em suas mentes.

“Eu entendo que precisam de minha ajuda, por isso estou aqui e…”

– Por que não nos ajudou antes? Por que você não volta no tempo e salva a todos? Isso seria algo tão simples pra você! Apenas um bater de asas e tudo se resolverá! – Liam o interrompeu.

“Simples, jovem Wander. Porque vocês precisam arcar com as consequências do poder de vocês.

Vocês quiseram salvar sua espécie. E com isso mudaram os acontecimentos do mundo

Cada instante alterado tem suas consequências.

O maior erro de vocês humanos é achar que o fim da humanidade e o fim do mundo são a mesma coisa.

No dia que o último homem morrer, o mundo continuará a girar da mesma forma.

Ironicamente, só o homem é capaz de destruir esse mundo.

Não me entenda mal. Vocês, humanos, também são parte desse mundo.

Não desejo a erradicação da sua espécie assim como não desejo a de nenhuma.

O meu trabalho é simplesmente manter o equilíbrio.”

Todos ficaram em silêncio. Finalmente entendiam a verdade mais latente do universo. a mais crua, mais simples e mais realista de todas. E então o Uirapuru continuou.

“Esse homem… Fez muito mal…

mas foi consequência dos atos de vocês.

Vocês tiraram sua mulher e filhos.

Vocês o fizeram ir atrás de vingança.

Vocês o guiaram em busca de poder.

E somente vocês podem parar isso.

Sobreviver ou não, é uma escolha do destino.”

– Então devemos deixar que o destino decida? Simples assim? Devemos deixar o destino decidir se eu, Julia, Helena e os demais sobreviveremos ou não?

“Muito pelo contrário.

Vocês devem fazer o que puderem fazer

E as consequências disso decidirão o futuro

Os dados só trarão resultados se jogados”

– Então é isso! Encararemos uma missão suicida dando nossas vidas para tentar salvar Helena e os demais.

“Eu não diria suicida.

Como eu disse a pouco, eu venho defender o equilíbrio.

Esse homem foi longe demais.

Ele tentará usar Helena e seus três cavaleiros para criar um ritual que anulará os poderes Wanders e Psiônicos para sempre.

Ele precisa ser impedido.

Cabe a vocês impedi-lo.

E cabe ao destino decidir o que acontecerá depois.

E eu vim aqui para dar a vocês a minha benção”

E após essas palavras, o Uirapuru voou para longe. Liam e Julia sentiram-se aquecidos por dentro. Seus corações palpitavam aceleradamente. Seus poderes haviam sido estendidos. Sentiam que finalmente poderiam enfrentar qualquer coisa juntos.

Não era mais um caso em que um Wander ocuparia o corpo de uma Psiônica, eram duas mentes num único corpo. E isso trouxe uma sinergia ainda maior pros dois. Eles não eram mais apenas duas pessoas. Eram a representação dos Wanders e Psiônicos em um único ser.

 Eles se entreolharam e Liam perguntou:

“Pronta para salvar Helena?”