Era dourada dos anos 90 e Tagmar, o primeiro RPG brasileiro, havia sido um sucesso. Todos estavam alvoroçados com o fato de haver um RPG nacional antes mesmo de D&D ser lançado em português. Então, alguém decidiu ousar um pouco mais e fazer um RPG sobre o folclore brasileiro. Surgia o Desafio dos Bandeirantes, um jogo cheio de potencial e que causa algumas polêmicas até hoje.

Sobre o sistema, baseia-se em testes de atributo (rolando 1d20) e habilidades (Rolando 1d100… ou 2d10). Simples e fluido, apesar de não fazer bem meu estilo. Ora, ele é uma variante do sistema D20, mas uma coisa ou outra me incomodam nele. Contudo, as polêmicas e discussões que o envolvem estão no âmbito além do sistema, ou seja, o cenário é o grande alvo.

Em relação ao cenário, pode-se dizer que é uma região análoga ao Brasil em seu período colonial. Há dois problemas que eu gostaria de tratar aqui. O primeiro diz respeito a questão pedagógica. Há controvérsias quanto a finalidade do jogo. Ele foi feito para o uso nas escolas? E se foi, isto o torna menos divertido? Alguns atribuem o insucesso do jogo no mercado a isto. Sendo um jogo de cunho “educativo”, ele seria menos emocionante que um RPG “comum”. Aos que pensam assim, indico a leitura de um artigo de Thiago Pacheco na REDE RPG. Creio eu que o principal motivo dele não estar presente nas prateleiras dos rpgistas da época seja outro: preconceito.

Até hoje enfrentamos um preconceito grave contra nossa própria cultura. Há um estigma que inferioriza os mitos brasileiros perante os mitos de qualquer outro canto do mundo. Besteira, temos lendas muito boas por aqui também (vide a mascote deste blog). Atualmente estamos vencendo isto aos poucos. Temos conteúdos mais atraentes que naquela época e ainda assim muitos se recusam a conhecê-los (inclusive temos uma categoria sobre isso aqui). Preconceito é algo sério…

E falando em preconceito… O outro problema do cenário também envolve isto! Os tempos eram outros e o (politicamente) correto ainda não imperava. Ao ler Desafio dos Bandeirantes nos deparamos com um discurso que reforça estereótipos um tanto complicados. A inferiorização do negro é algo explícito. Compreendo que os autores provavelmente queriam repassar a história da colonização, porém a forma que aquilo foi feito não se enquadra mais a nossa realidade. Ainda me questiono, tanto como escritor como também game designer, quanto ao desenvolvimento de uma ficção histórica.

Se é ficção, não seria melhor oferecer mais possibilidades ao jogador em vez de reforçar uma limitação presente da época? Veja bem, eu, como mestre, não me sentiria confortável em constranger um amigo por ele ser negro e/ou querer ter um personagem negro. O RPG é, muitas vezes, uma fuga da realidade, um lugar seguro. Então, eu não traria para a mesa de jogo algo que revivesse um fantasma tão terrível na mente de um dos jogadores.

Assim, resta dizer que O Desafio dos Bandeirantes teve, sim, sua importância para o meio rpgístico nacional. Em parte por nos mostrar hoje erros que não devem mais ser cometidos, porém não podemos negar que ele levamuitos de nós a quererem um RPG que faça o que ele não fez. E eu posso dizer a vocês, meus amigos, isto pode ser mais real do que muitos imaginam. Tenho boas notícias: temos outros RPGs abordando o folclore brasileiro. Contudo, isto já é assunto para uma próxima publicação.