Não é nenhuma novidade que a comunidade LGBT – mais especificamente nesse caso, lésbicas – é estigmatizada em diversas áreas de atuação e que a falta de representatividade contribui para esse tabu global que torna a vida de milhares de pessoas mais difícil. E é claro, no mundo nerd não poderia ser diferente.

As personagens lésbicas, quando aparecem, são super sexualizadas ou simplesmente abafadas com assexualidade ou heterossexualidade forçadas e desnecessárias, como a Brienne (Gwendoline Christie) e a Arya (Maisie Williams) de Game of Thrones, a Velma de Scooby-Doo, a Docinho das Meninas Super Poderosas, a Merida de Valente ou a Mulan, por exemplo.

Harley Quinn e Poison Ivy (Arlequina e Hera Venenosa) não são exclusivamente lésbicas, mas seu relacionamento lésbico é, definitivamente, hipersexualizado.

Até mesmo o casal mais amor que existe, Amanita (Freema Agyeman) e Nomi (Jamie Clayton) de Sense8, têm a sua primeira aparição com uma cena de sexo, enquanto nenhum outro personagem da série teve esse tipo de introdução. É claro que essa provavelmente não deve ter sido a intenção das irmãs Wachowski, mas pensar na interpretação do receptor é tão importante quanto ou até mesmo mais importante do que a intenção do locutor.

É importante também lembrar das situações em que fazem com que as personagens sejam bissexuais, não com a intenção de mostrar a bissexualidade assumida e bem resolvida, mas para “amenizar” o lesbianismo como uma forma de satisfazer o fetiche de um ménage (o famigerado sexo a três) do público masculino.

Outro exemplo são casos como o de Marceline e Princesa Bubblegum (Jujuba, em português) ou da Sailor Urano e Sailor Netuno, em que justificam a proximidade das personagens como amizade de longa data ou grau de parentesco (a princípio, a mídia televisiva divulgou que as Sailors seriam próximas por serem primas).

Sailor Netuno e Sailor Urano: namore alguém que te olhe como elas se olham!!!

Mascarar e omitir essas personagens e seus relacionamentos faz com que se gere uma ideia equivocada de que lésbicas não existem na nossa cultura, reforçando aqueles estereótipos de que “nenhuma lésbica é lésbica de verdade” ou que “só não encontraram o homem certo ainda”, coisas do dia-a-dia de toda lésbica assumida.

O que nos leva ao verdadeiro problema da falta de representatividade, que é continuar gerando crianças e adolescentes que não tem contato com a realidade. Meninas que crescem sem saber quem são e sem certeza de si porque tudo o que elas veem na televisão (casais heterossexuais) não é com o que elas se identificam; e meninos heterossexuais que crescem vendo relacionamentos lésbicos como amizade e que no futuro não vão saber respeitar a sexualidade alheia porque “não é de verdade”. A ficção nos ajuda a entender quem somos por nos trazer personagens com quem nos identificamos e ao privar um grupo de pessoas desses exemplos, um sentimento cruel de confusão e não-pertencimento é gerado. Crescer já é difícil por si só, imagine crescer pensando que tudo o que você é e sente está errado e não é normal…

Mas nem tudo são espinhos e felizmente temos exemplos lindos e geniais como o de Steven Universe! O seriado tomou rumos inteligentíssimos ao abordar sutilmente a sexualidade das personagens através de uma cultura e mundo próprios. A intenção da criadora da série, Rebecca Sugar, era justamente essa: fazer com que crianças conheçam o mundo como ele é, cheio de diversidade, amor, dificuldades e problemas, mas que nada disso é o fim do mundo, e sim uma porta aberta para um universo em que superamos as barreiras do preconceito e da ignorância. E no fim das contas, é isso que importa, mostrar às crianças, adolescentes e até mesmo adultos que não importa quem se ame, todos merecem ser felizes!