No mês de novembro de 2014, alguns podem não se lembrar – eu me lembro -, recebemos em Manaus a exposição “A Voz do Fogo” que homenageou o deus dos quadrinhos, Alan Moore. No tributo realizado no Paço da Liberdade, 19 artistas amazonenses expuseram obras baseadas na criação do escritor.
A novidade da vez é que a exposição vai voltar em 2016! Segundo uma das organizadoras, Sarah “Badernista” Farias, o evento ainda está sem data definida. Assim que descobrir algo, avisarei a todos aqui no Mapingua Nerd. Mas… não é sobre isso que eu venho falar agora, segure seu coração.
No período da primeira exposição, a Sarah e o Evaldo Vasconcelos tiveram a incrível oportunidade de entrevistar o Alan FUCKING Moore. E é com orgulho e agradecimento aos dois que divulgo as respostas do mestre e você confere agora:
Entrevista realizada em outubro de 2014 – Por Sarah Farias e Evaldo Vasconcelos:
Recentemente o mundo perdeu um grande nome dos quadrinhos, que era seu amigo próximo. Você poderia nos falar sobre a importância de Steve Moore na sua vida?
AM – Sobre a importância de Steve Moore para mim, posso dizer que eu simplesmente o adoro. Ele foi o melhor amigo que já tive, e sem a sua influência e exemplo, eu posso dizer quase com certeza que nunca teria entrado na indústria dos quadrinhos. Na verdade, sem a influência de Steve, não tenho certeza se haveria uma indústria de quadrinhos para entrar. Ele teve um papel vital na criação do fandom de quadrinhos britânico; seu trabalho nos anos 70 e 80 no emergente mercado de quadrinhos com a 2000AD, Dr. Who Weekly/Monthly e é claro com Warrior; seus conselhos de valor inestimável para quase tudo que eu escrevi. Eu não acho que seja superestimá-lo dizer que o mundo dos quadrinhos seria muito diferente e muito menos interessante sem Steve Moore, e talvez eu não tivesse sobrevivido a ele. Como eu disse, foi Steve Moore quem fez o mundo dos quadrinhos parecer o tipo de lugar onde eu poderia gostar de trabalhar, e foi justamente a forma como a indústria o tratou que – covardemente, de forma vil e sub-humana- que me convenceu de que não era. Mesmo depois da sua morte, quando eu deveria estar celebrando a sua vida, terminando o grimório que começamos juntos e fazendo o possível para que seu trabalho fosse reimpresso, eu tive que tirar tempo dessas coisas para evitar que a Radical Comics explorasse o nome de Steve no filme inútil deles, Hercules, já que para tanto eles não estavam dispostos a pagar a ele para tal e começaram a considerar quando perceberam que colocar o nome de Steve poderia garantir alguma publicidade extra e devido ao sentimento genuíno causado devido a sua morte. Steve serviu à indústria dos quadrinhos muito melhor do que a indústria dos quadrinhos lhe serviu, e é quase certeza que esta é a razão pela qual ele passou os últimos anos da sua vida dedicado a áreas as quais ele era realmente apaixonado, como o estudo clássico e suas pesquisas sobre o I Ching, áreas estas onde a importância da sua contribuição ainda está por ser reconhecida. Ele era uma pessoa amável, a melhor companhia de todo o mundo, e a pessoa mais incrivelmente inteligente que eu já conheci.
Eu sei que quando ele passou algum tempo no Brasil com a sua namorada, ele achou o seu país extremamente belo, e que ele aproveitou esta estadia o quanto pode.
Eu ainda falo com ele todos os dias, mas como nós éramos magos, isso já era de se esperar.
Quando você começou a trabalhar com quadrinhos nos anos 70, você acreditou que esta se tornaria a sua atividade principal?
AM – No início da minha carreira, eu era ex-aluno de uma Escola de Artes razoavelmente capaz em um número razoável de atividades, que só queria encontrar uma que se mostrasse suficiente para que prover a mim mesmo e a minha família. Desde então, os quadrinhos tomaram muito do meu tempo, mas eu ainda assim consegui lançar sete ou oito álbuns, escrever dois filmes originais com valor e fazer com que um deles fosse produzido e escrever dois romances, um deles tão longo quanto a obra completa de William Shakespeare (Jerusalém, que eu terminei alguns dias atrás), trabalhei como performer e fiz diversas outras coisas também. Da minha perspectiva, sou muito orgulhoso de alguns dos meus trabalhos com quadrinhos, e indubitavelmente eles também financiaram vários trabalhos nos quais eu talvez tivesse mais interesse. Eu ainda penso em mim como um artista num sentido amplo, apesar de eu ainda escrever quadrinhos e gostar de todo o processo, meu relacionamento com a indústria e com a maioria das pessoas do meio fez com que faça muito tempo que eu não pense em mim como um roteirista de quadrinhos. Provavelmente é porque eu não me defino pela mídia onde o meu trabalho acaba aparecendo, e voltei a minha posição de infância, vendo meus vários projetos como simplesmente coisas que eu faço.
Seu trabalho é referenciado como um marco na consolidação do mercado adulto de quadrinhos. Como você vê essa sua contribuição?
AM – Eu gosto de pensar que a minha abordagem para os quadrinhos abriu possibilidades para um médio progresso subsequente, e que algumas das minhas inovações no processo de contar histórias podem se mostrar ferramentas úteis para os criadores no futuro, mas isso é tudo. Meu papel na popularização dos quadrinhos é uma das coisas sobre as quais eu me sinto mais ambivalente. Me parece que trabalhos como Watchmen provavelmente apenas legitimaram o hábito de manter os super-herois com a audiências, mesmo com elas envelhecendo, e levou a situação atual onde ninguém está realmente interessado na história que o quadrinho conta… o único fenômeno interessante nesse processo inteiro… vemos interesse nos filmes de super-heróis para um grande público supostamente adulto. Pessoalmente cheguei à conclusão de que super-heróis são compensadores de covardia, assim como armas, e uma vez que quase todos os meus trabalhos com super-herois – especialmente Marvelman e Watchmen- foram produzidos para ser uma crítica ao gênero de Super-Heróis, eu não posso deixar de me sentir um pouco desapontado que a imagem de americanos brancos da classe média em roupas da Ku Klux Klan customizadas deve se tornar a imagem principal de referência quando as pessoas pensaram nesta forma de arte que eu acredito que significa e vale muito mais do que isso.
Como os britânicos veem o profissional de quadrinhos?
AM – Eu não faço ideia de como os britânicos veem os profissionais dos quadrinhos no momento, ou se eles pensam neles em algum momento. Os quadrinhos parecem terem sido muito bem assimilados pela cultura de massa, como se eles tivessem se tornado parte do papel de parede cultural, como se fosse a música do elevador que evita esses trechos inquietos de introspecção. Olhando às ocasionais referências de aos quadrinhos na mídia, pode ser visto que o público dos quadrinhos é formado principalmente por fãs fora-de-moda do Homem de Ferro e por pessoas que veem as ‘graphic novels’ como um objeto de estilo desejável, algo para ser visto em sua mesa de café. Cheguei à conclusão de que uma das principais coisas que me atraíram aos quadrinhos, além das possibilidades narrativas deslumbrantes, foi o fato de que eles eram considerados algo socialmente inaceitável. Eu penso na arte sequencial como uma médium, e ela nunca foi tão bonita do que quando ela estava na sarjeta. Agora ela está de cabelo arrumado para poder atender aos eventos sociais, e agora que ela está tendo todos estes compromissos, eu começo a pensar se algum dia eu já a vi.
Você falou sobre a necessidade de testes de proficiência para pessoas que trabalham no governo. Quais foram as consequências disto? Você obteve alguma resposta?
AM – Apesar de eu ter sido completamente sério sobre a ideia de testes de competência e proficiência para os profissionais do governo, eu obviamente levantei a questão tendo pleno conhecimento de que não haveria nenhuma resposta do governo, a não ser um silêncio ensurdecedor. Claramente, é uma sugestão sardônica para um mundo onde não existe tal teste no qual as pessoas que nos lideram poderiam passar, ou mesmo falhar com honra. Apesar disso, é uma sugestão que eu pretendo continuar defendendo, e a qual eu peço a outras pessoas que também defendam, para que um dia nós possamos ter a satisfação de ter um desses frutos de camisinhas falhas terem que nos explicar o porquê de esta não ser uma boa ideia.
Porque você escolheu Tefé como o lugar para o Parlamento das Àrvores em “Monstro do Pântano”?
AM – Eu estava trabalhando em Swamp Thing e tentava fazer com que ele fosse uma mitologia ambiental bem mais do que um uma história de monstro. Cheguei ao ponto da narrativa onde eu quis apresentar os predecessores do personagem principal, antigos semideuses vegetais que se aposentaram do agitado mundo dos animais e fincaram suas raízes para aproveitar os sussurros da comunidade do “Parlamento das Árvores”. Eu gostaria de situar este conselho de árvores no verdadeiro coração da flora, e me pareceu que a floresta Amazônica brasileira era a única opção lógica para isso. Quando procurava por um lugar específico, estudando meu atlas, passei meus olhos pelo nome Tefé e imediatamente gostei da palavra gentil, com som similar a respiração. Sem saber nada mais sobre o lugar além dessas suas sílabas, eu decidi que essa cidade seria ordenada a capital da flora mundial. E por tudo que eu tenho ouvido desde então, me parece que meus instintos não me decepcionaram.